Governança em empresas familiares: uma conversa necessária

Helder de Azevedo * 

A governança em empresas familiares deve ser vista como o alicerce sobre o qual a organização é construída. Assim como uma casa precisa de uma fundação sólida para se sustentar, a governança é a base que direciona e comanda todas as atividades da empresa. Ela não é apenas um conjunto de regras ou práticas, mas sim uma cultura que permeia todas as decisões e estratégias da empresa.

Em um momento em que o ESG é tão discutido, entendo que é o ‘G’ de governança que deve liderar este processo, pois é ela (a Governança) que direciona e viabiliza as questões ambientais e sociais. Sem uma governança efetiva, as iniciativas de sustentabilidade e responsabilidade social podem falhar por falta de uma estrutura que as suporte. A governança é, portanto, o motor que impulsiona e integra as práticas de ESG nas empresas familiares.

O modelo de governança corporativa praticado em empresas de capital aberto, muitas vezes, não se adequa perfeitamente às empresas de capital fechado, especialmente às familiares. Isso ocorre porque as estruturas e necessidades são distintas. O modelo de Governança para empresas listadas foi introduzido no mundo inteiro a partir de uma publicação da OCDE, com o objetivo de tornar um mercado de capitais mais duradouro e sustentável. Acontece que as empresas de capital fechado, que não estão sujeitas às mesmas obrigações legais e regulatórias das companhias de capital aberto, precisam de uma governança que considere as relações familiares e os desafios específicos que enfrentam.

Um dos principais desafios enfrentados também pelas empresas familiares de capital fechado é a questão do conflito de agência. Isso ocorre quando a diretoria executiva (o agente) não age de acordo com a orientação dos donos do capital. Um exemplo disso pode ser visto quando um executivo, que também é um acionista, recomenda a compra de uma empresa, o que resulta em um aumento de seu próprio salário e bônus.

A transição de gerações é um momento crítico para essas empresas. A chamada “geração sênior”, que detém a propriedade e muitas vezes a gestão da empresa, enfrenta desafios como o apego ao poder e a dificuldade de falar da sucessão e de sua finitude. Além disso, a ilusão de que a família é unida pode levar a conflitos quando os fundadores saem de cena.

As empresas que faturam anualmente a partir dos dez milhões de dólares são normalmente aquelas que estão terminando um ciclo da primeira geração. A falta de governança e de visão estratégica são problemas comuns nessas empresas. A governança deve prever mecanismos para facilitar essa transição, como acordos de cotistas ou de acionistas que contemplem a visão estratégica de longo prazo, alinhando os interesses dos membros da família com os da empresa. Isso envolve a definição da distribuição de dividendos, regras de entrada e saída dos familiares na operação e na sociedade, e a gestão de situações como a morte de um membro da família ou a necessidade de um empréstimo, entre outros.

Diante disso, o Planejamento Estratégico  é sem dúvida uma etapa crucial na governança de empresas familiares. Uma ferramenta necessária na partida do processo estratégico é o PESTLE, um acrônimo que se refere à análise do ambiente político, econômico, social, tributário, trabalhista e de sustentabilidade. Essa análise permite que os donos do capital tenham uma visão clara do ambiente em que a empresa opera e dos desafios que ela enfrenta. Esta ferramenta foi proposta na década de 60 do século passado e já contemplava o S (social) e o E (Ambiental – Environment), elementos fundamentais em um planejamento a longo prazo, como é o Planejamento Estratégico.

Apesar desses desafios, existem muitos casos de empresas familiares que conseguiram estabelecer uma governança muito bem-sucedida, como o da família Moura, da Baterias Moura, em Pernambuco, que conseguiu estabelecer uma estrutura de governança que envolve tanto a empresa quanto a família, com um Conselho de Família operante e um Conselho de Administração eficaz.

O fato é que a governança em empresas familiares é um tema complexo que requer uma abordagem cuidadosa, profunda e personalizada. Mas é também a forma que essas empresas têm de garantir sua sustentabilidade e sucesso a longo prazo. Ou seja, é uma conversa difícil entre gerações, mas extremamente necessária. 


* Helder de Azevedo, MSc é autor e fundador do Instituto Empresa DE Família, cujo propósito é preparar Famílias Empresárias para estruturar e aprimorar a Governança de suas empresas através de uma abordagem humana com base em teoria social, aplicada com sucesso na prática em diversos países, há mais de 10 anos.

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