Regras e marcos regulatórios para acompanhar em 2023

Regras e marcos regulatórios para acompanhar em 2023

Por Paulo Miranda 

Eu vejo o mundo através do impacto. Tudo, absolutamente tudo que nós fazemos produz algum impacto. É por isso que medir o impacto em escala global, ajudando as empresas a moldarem suas estratégias de impacto e metas ESG, é algo que me move profundamente. 

Por que medir impacto em escala global? Porque simplesmente não faz sentido pensar em impacto em uma perspectiva exclusivamente local, pontual, específica. A dimensão do impacto transcende muitas realidades e é profundamente determinada pela força do capital.  

Hoje, para muitos, mensuração de impactos é percebida como algo vanguardista ou acadêmico. Para mim, longe de ser uma disciplina acadêmica da "atualidade", antiquada ou palavra da moda sem relevância para o mundo real, compreender as dimensões do impacto e encontrar formas de mensurá-lo são questões existenciais, de grande e imediata importância na minha vida profissional e pessoal. 

Estamos passando por uma macro transição no capitalismo global. Todos os mecanismos que a Humanidade construiu estão sofrendo mudanças. E o capitalismo é um desses sistemas em transformação. No contexto atual, a sociedade começa a perceber cada vez mais como a alocação do capital afeta cada vez mais a realidade das pessoas e das companhias. 

Essas novas realidades exigem novas compreensões e até novos conceitos sobre o capital. Parafraseando Jorge Caldeira em seu magnífico livro “Brasil Paraíso Restaurável”, se pudermos passar a observar o mundo de outra forma nessa dimensão do impacto, então o capital deixará de se centrar no ROI, de viver para ele, para seu ritmo, e passará a viver para as dimensões e consequências do seu impacto para toda a humanidade. 

Não basta dizer que o lucro continuará sendo importante –  sem dúvida, será. Mas, hoje, deve vir acompanhado de uma atenção efetiva ao bem-estar das pessoas, à diversidade e inclusão social, à preservação e regeneração ambiental e da biodiversidade e à perpetuidade (longo prazo) dos negócios, da sociedade, e até da nossa própria existência. E nada disso será possível sem que, primeiro, passemos a olhar mais profundamente a dimensão dos impactos sobre os investimentos e, segundo, a construir ou melhorar todo um conjunto global de regras e ordenamentos que possam contribuir para um novo modelo de sociedade. Um modelo que busque, por meio do capital, dos investimentos e da sustentabilidade, avanços mais efetivos que levem as empresas para um novo conceito de propósito, missão e valores. 

As ações que precisam ser desenvolvidas por indivíduos, empresas e governos para combater impactos negativos e promover os positivos nas áreas social, ambiental e de governança, só vão alcançar os resultados desejados sob essa perspectiva, se estiverem alinhadas com agendas mais amplas, globais, que levem a impulsionar um novo critério de valor. 

Como ficou muito claro com a pandemia, é só uma questão de tempo até que possamos perceber o impacto local de algo que tenha acontecido do outro lado do mundo.  Todos fazemos parte de um sistema global, que está mais conectado do que nunca. 

Sendo assim, trazendo o tema para as estratégias ESG das empresas, mudanças que aconteçam, por exemplo, nas normas regulatórias da União Europeia impactarão diretamente um grande número de empresas brasileiras e multinacionais com atuação no “velho continente”. Mas o impacto não ficará restrito a elas! Em pouco tempo, como temos observado, os novos marcos regulatórios europeus influenciarão opiniões, decisões e órgãos reguladores de todo o mundo. Não há dúvidas de que o capitalismo global precisa de um novo conjunto de regras que possa acompanhar essas mudanças.

Além disso, já existe um movimento muito importante que aponta para a adoção de um possível novo ordenamento sobre como reportar sobre o destino do novo capital e com isso, a necessidade de um padrão único de divulgações ESG – o ISSB, da Fundação IFRS. 

Nesse contexto, separei abaixo alguns trechos de movimentos regulatórios que merecem ser acompanhados em 2023 e nos próximos anos. Meu objetivo é sempre compartilhar conhecimento para levar cada vez mais pessoas a refletir sobre o impacto das suas ações e decisões. 

 

Banco Central do Brasil  – divulgações quantitativas

O Banco Central anunciou para 2023 uma norma para as divulgações de informações quantitativas referentes a metas e oportunidades ligadas a  #ESG pelas instituições financeiras. A nova norma  será compatível com o novo padrão global, que está sendo desenvolvido pelo ISSB. 

Em 2022, o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central publicaram uma série de resoluções contendo mudanças nas regras de gerenciamento dos riscos social, ambiental e climático (ESG) pelas instituições financeiras. 

Definições importantes trazidas por essas resoluções: 

Risco Social: é a possibilidade de ocorrência de perdas para a instituição ocasionadas por eventos associados à violação de direitos e garantias fundamentais ou a atos lesivos ao interesse comum.

Risco Ambiental: é a possibilidade de ocorrência de perdas para a instituição ocasionadas por eventos associados à degradação do meio ambiente, incluindo o uso excessivo de recursos naturais.

Risco climático de transição: é a possibilidade de ocorrência de perdas para a instituição ocasionadas por eventos associados ao processo de transição para uma economia de baixo carbono, em que a emissão de gases do efeito estufa é reduzida ou compensada e os mecanismos naturais de captura desses gases são preservados;

Risco climático físico: é a possibilidade de ocorrência de perdas para a instituição ocasionadas por eventos associados a intempéries frequentes e severas ou a alterações ambientais de longo prazo, que possam ser relacionadas a mudanças em padrões climáticos.

Passa a ser obrigatória a  identificação, a avaliação, a mensuração e o monitoramento dos riscos, assim como o estabelecimento de mecanismos de identificação e monitoramento dos riscos e o estabelecimento de uma estrutura de gerenciamento e requerimentos mínimos prudenciais a serem observados para cada tipo de risco.

 

CVM – Fundos ESG e Fundos de Carbono 

Em abril deste ano, entra em vigor o esperado  marco regulatório da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), com regras para os fundos de investimento que podem ostentar rótulos como ESG, sustentável e afins em seu nome.

Além disso, a CVM classificou créditos de carbono como ativos financeiros, o que abre a perspectiva para a criação de fundos com esses ativos. É importante ressaltar que a regra se aplica apenas a créditos registrados em mercados regulados – por enquanto, no Brasil, os créditos são negociados apenas no mercado voluntário, que ficou de fora dessa nova norma. 

 

ANBIMA – Oferta de Títulos ESG

A Anbima publicou recentemente o "Guia para Oferta de Títulos ESG" com boas práticas para ajudar instituições na emissão e na oferta de ativos de renda fixa relacionados a finanças sustentáveis. 

Elaborado sob a consultoria técnica da NINT, seguindo os princípios da ICMA (Associação Internacional do Mercado de Capitais), o guia tem um papel de orientação – não de autorregulação ou controle – e certamente vai contribuir para o desenvolvimento do mercado ao longo dos próximos anos. 

 

Estados Unidos – Divulgações ESG (SEC)

A partir deste ano, as regras para divulgações ESG pelas empresas listadas nos Estados Unidos passam a ser mais específicas e detalhadas. 

As metas e objetivos ligados a ESG deverão constar das demonstrações financeiras. E os riscos climáticos sobre negócios e investimentos precisarão ser identificados, avaliados, gerenciados e divulgados.  

As mudanças se baseiam na estrutura definida pela TCFD (Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima). 

Este ano, com a conclusão das suas recomendações, a TNFD (Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras relacionadas à Natureza) também deve ganhar destaque. Mesmo sem ter caráter regulatório ou impositivo, a TNFD é relevante por estar integrada aos programas da ONU para Meio Ambiente (UNEP/PNUMA) e para o Desenvolvimento (UNDP/PNUD)

 

União Europeia – Imposto (carbono) e veto  (desmatamento) 

No fim do ano passado, a União Europeia aprovou um imposto sobre a emissão de carbono nos processos produtivos de produtos importados. É a primeira vez que uma regulamentação ligada às mudanças climáticas é aplicada às regras de comércio internacional. 

O mecanismo de ajuste da fronteira de carbono (CBAM, em inglês) se aplica a setores como os de aço, alumínio, cimento, eletricidade, fertilizantes e produção de hidrogênio, entre outros. 

Também no fim de 2022, a UE aprovou uma regulação que proíbe a entrada no bloco de commodities produzidas em áreas de floresta desmatadas, mesmo que de forma legal, após 31 de dezembro de 2020.

Outra norma importante da UE, que precisa ser considerada principalmente por agentes do mercado financeiro, é a SFDR (Sustainable Finance Disclosure Regulation), que serve para ajudar gestores e analistas financeiros (inclusive seguradoras) a fazer suas divulgações de risco. As regras se aplicam mesmo para agentes financeiros que não tenham qualquer obrigação de fazer divulgações ESG. 

Numa perspectiva mais ampla, a União Europeia vem intensificando seus esforços para limitar o aquecimento global e lidera o avanço das normas globais de ESG, tendo assumido o compromisso de reduzir em 55% as emissões líquidas de carbono até 2030, e zerá-las até 2050. 

 

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