Desafios e Perspectivas sobre Mudanças Climáticas e Transição Justa
Entrevista exclusiva com Linda Murasawa
Conselheira da DEEP e sócia-diretora da Fractal Assessoria e Desenvolvimento de Negócios, com décadas de experiência no Brasil e no exterior em negócios e finanças sustentáveis, Linda Murasawa foi convidada pelo Blog da DEEP para essa entrevista exclusiva sobre finanças sustentáveis e transição.
Qual é o papel do setor financeiro na transição para uma economia de baixo carbono?
Linda: Estamos vendo uma crescente discussão sobre como incorporar questões de impacto nos produtos financeiros e na gestão de riscos. O setor financeiro tem um papel crucial na transição para uma economia de baixo carbono, direcionando capital para investimentos sustentáveis e desenvolvendo produtos que reflitam essas preocupações. Existe hoje um movimento do setor financeiro, especialmente entre os bancos centrais do G20, para discutir e estudar as questões relacionadas à transição para uma economia de baixo carbono. Iniciativas como o Network for Greening the Financial System (NGFS) estão sendo desenvolvidas para analisar e simular modelos econômicos que considerem os impactos ambientais e sociais. No entanto, ainda é necessário um esforço conjunto de todos os setores para garantir uma transição eficiente e sustentável.
Como os modelos econômicos precisam ser repensados para lidar com a transição para uma economia de baixo carbono?
Linda: Os modelos atuais são baseados em um planeta infinito. Acontece que, na verdade, vivemos em um contexto finito. É preciso repensar esses modelos para considerar a finitude dos recursos naturais e os impactos ambientais. Além disso, é preciso incluir a mensuração e a valoração dos impactos ambientais, incluindo o climático, e sociais nas decisões econômicas. Uma empresa ou país de sucesso não deve ser apenas aquele que busca lucro a curto prazo, mas sim aquele que busca a descarbonização, o bem estar e a sustentabilidade a longo prazo.
Como conciliar o crescimento econômico com a necessidade de uma transição para uma economia de baixo carbono?
Linda: É necessário repensar o conceito de crescimento econômico e redefinir o que é considerado sucesso. Uma empresa ou país de sucesso não deve ser apenas aquele que busca lucro a curto prazo, mas, sim, a descarbonização e a sustentabilidade a longo prazo. É importante considerar o impacto ambiental e social das atividades econômicas e buscar soluções que sejam economicamente viáveis e sustentáveis a longo prazo.
Uma transição justa deve levar em consideração as diferentes realidades e capacidades das empresas de diferentes tamanhos. É necessário um diálogo entre governo, setor financeiro e empresas para encontrar soluções que apoiem as pequenas, médias e microempresas na transição para uma economia de baixo carbono. Isso pode incluir apoio financeiro, acesso a tecnologias e incentivos para a adoção de práticas sustentáveis. É importante garantir também que haja tempo para que essa transição aconteça. Por outro lado, os líderes das empresas precisam começar a agir imediatamente e se antecipar a regras que supostamente ainda vão demorar para se tornarem obrigatórias. O ano de 2050 está logo ali! Agora já estamos em 2030!
No mês de fevereiro, você participou de um painel no Fórum Brasileiro de Finanças Climáticas G20, com Marina Grossi (CEBDS), Jennie Dodson (WBCSD), Sean de Montfort (Sequoia), Mark Manning (LSE, Grantham Research Institute Centre for Economic Transition Expertise), Alan Gómez (GFANZ LAC) e Maria Netto (iCS). Como foi o debate?
Linda: O objetivo do painel foi debater os pontos críticos de se elaborar e implementar um plano de transição corporativa que oriente as empresas a se adaptarem aos riscos e às oportunidades decorrentes das mudanças climáticas. Um dos principais pontos é desenvolver algo que seja crível e implementável, porque hoje a maior parte das empresas acaba até caindo na armadilha de criar planos tão complexos, tão sofisticados, tão longevos que se tornam irreais, e viram instrumentos de “greenwashing”.
Os painelistas internacionais trouxeram suas experiências e perspectivas sobre como as empresas podem e devem se engajar na agenda climática, destacando a importância de se adotar padrões, frameworks, taxonomias e relatórios que facilitem a comunicação, a comparação e a avaliação dos planos de transição. Também foi enfatizada a necessidade de se aumentar o conhecimento e a capacitação dos gestores e dos stakeholders sobre os temas climáticos, bem como de se promover a inovação e a colaboração entre os diferentes setores e regiões.
E como isso tudo se aplica à realidade brasileira?
Linda: Compartilhei minha visão sobre como o Brasil está se posicionando e se preparando para a transição climática, tanto do ponto de vista regulatório quanto do ponto de vista de mercado. Citei como exemplo a recente resolução do Banco Central, que determina que as instituições financeiras devem incorporar o risco climático na sua gestão de risco, o que implica em identificar, mensurar, monitorar e mitigar os potenciais impactos das mudanças climáticas sobre suas atividades e seus clientes.
Também mencionei as iniciativas e as boas práticas de algumas empresas brasileiras que já estão se antecipando e se diferenciando no cenário nacional e internacional, por meio de planos de transição que envolvem metas de redução de emissões, de aumento de eficiência energética, de uso de energias renováveis, de restauração de ecossistemas e de desenvolvimento de produtos e serviços sustentáveis, entre outras.
Quais são os desafios que ainda precisam ser superados?
Linda: Não existe um conhecimento que a gente possa dizer que esteja pulverizado dentro de instituições financeiras e nas corporações para que o tema climático seja bem endereçado. E isso não é só no Brasil; é no mundo inteiro. Debatemos justamente a necessidade de haver muita pesquisa, muito desenvolvimento, um embasamento técnico-científico… O tema do clima está dentro das Universidades e centros de estudos e pesquisas. Mas ainda falta, no mundo corporativo, uma base de dados consistente para tratar dos riscos de transição.
Por que essa base de dados ainda não foi desenvolvida?
Linda: Na verdade, quando se fala em riscos físicos e até climáticos, já existe no Brasil um trabalho muito interessante em termos de elaboração metodológica, que contempla, inclusive, os estudos desenvolvidos pelo IPCC. Este trabalho foi desenvolvido pelo Ministério da Ciência e Tecnologia em parceria com INPE e envolveu muitos pesquisadores, estatísticos e matemáticos, entre outros. Assim, posso dizer que hoje já existem informações sólidas sobre riscos físicos que são mais conhecidos. A questão está nos riscos de transição!
Por que a análise de riscos de transição é tão mais complexa?
Linda: Estamos falando de algo que não sabemos como vai acontecer, que depende de muitas variáveis, como regulamentações e tecnologias futuras. Riscos de transição não envolvem apenas uma empresa, mas toda a cadeia produtiva. Resultam do somatório dos riscos ao longo dessa cadeia, desde a matéria-prima e os fornecedores, até toda a logística (da origem ao descarte). É preciso elaborar planos de ação para mitigar esses vários riscos. A transição pressupõe um olhar para o futuro numa base que simplesmente não foi construída ainda!
Nós aprendemos muito a nos basear em dados históricos passados. Quando analisamos o passado, olhamos para comportamentos e ações que já aconteceram e extrapolamos para um cenário futuro. Para tratar de riscos de transição, precisamos recorrer a modelos preditivos além dos históricos. A questão é que não estamos acostumados a trabalhar com esse tipo de modelo, e também não temos dados suficientes para alimentá-lo e nem metodologias claras.
O que é preciso para que a transição aconteça da melhor maneira possível?
Linda: A transição para uma economia de baixo carbono requer investimentos e mudanças significativas, tanto por parte das empresas e dos agentes financeiros, quanto da sociedade e do poder público. É um processo complexo que exige tempo, recursos e capital para direcionar as ações dos diversos setores.
As empresas que têm produtos críticos, como o petróleo, precisam investir em pesquisa e buscar alternativas para sua matéria-prima, a fim de continuar gerando produtos ou encontrar novas fontes de receita. Essa transição não acontece do dia para a noite e requer investimentos significativos. E tempo!
É possível ter um modelo de transição justo e sustentável, em todos os sentidos?
Linda: A transição justa deve levar em consideração não apenas o impacto social, mas também o impacto nas empresas. É necessário encontrar um equilíbrio entre a busca por soluções sustentáveis e a garantia de que as empresas possam se adaptar e continuar existindo. Isso requer um diálogo coletivo entre governo, empresas e setor financeiro para encontrar soluções adequadas.
Durante a transição, podem surgir “trade-offs” que afetam o bem-estar social. Por exemplo, se a produção de energia elétrica não for suficiente, pode ser necessário abrir mão de certos confortos, como o ar condicionado. Além disso, a substituição de materiais derivados do petróleo, como o plástico, pode ter impactos na produção de itens essenciais, como seringas descartáveis – imagine como teria sido, na pandemia, a vacinação de bilhões de pessoas sem elas. É importante encontrar soluções que minimizem esses trade-offs e garantam o bem-estar da sociedade.
Por fim, qual é a sua expectativa para a COP29 e a COP30, em Belém, no ano que vem?
Linda: É interessante porque muito se fala sobre a COP30. Mas é preciso, antes, que na COP29, em Baku (Azerbaijão), os países de fato apresentem seus compromissos de financiamentos para redução de emissões e adaptação aos impactos climáticos, e os custos da transição energética global, além de definir as questões atreladas ao Fundo de Perdas e Danos anunciado na COP28. Se isso não acontecer, vai acabar ocupando a agenda da COP30.
Sobre a COP30, na minha opinião, é uma oportunidade para o Brasil mostrar a complexidade de combater as mudanças climáticas e promover o desenvolvimento sustentável em real equilíbrio com a biodiversidade . Por exemplo, com o crescimento populacional e urbano, o índice de desmatamento no Pará é impulsionado na região Amazônica. É uma chance de discutir como crescer e conservar ao mesmo tempo, especialmente considerando o desafio local e global de desenvolver a Amazônia de forma responsável.
Este conteúdo expressa os pontos de vista do(a) entrevistado(a) e não necessariamente reflete a visão da DEEP.