Weber Amaral é PhD e Mestre pela Universidade de Harvard, professor da Universidade de São Paulo da Esalq, pesquisador, consultor, conselheiro da DEEP e em conjunto com a DEEP e TerraMagna criou a Plan C , que tem por objetivo ajudar a resolver os graves problemas climáticos que enfrentamos, desenhando e implantando projetos de carbono, com metodologias robustas e conceitos baseados na natureza (NbS). Nesta entrevista, falou com exclusividade para o blog da DEEP sobre avanços e desafios para que o país aproveite as oportunidades de descarbonização da economia, dentro do contexto do PL 412, que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões.
Qual a sua visão sobre Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE) e o mercado regulado de carbono brasileiro, cuja regulamentação acaba de ser aprovada no Senado?
A minha análise é que foi um passo muito positivo, porque possibilita a entrada no Brasil nesse mercado regulado de carbono. Impossível que este projeto já tenha nascido sem nenhuma aresta para ser resolvido, ou seja ainda existem ajustes a serem feitos, mas demos um passo gigante para destravarmos o mercado de carbono no Brasil.
Que ajustes são esses?
Os mais importantes são os ajustes associados ao desafio de viabilizar essa transição de regulação para as empresas. Principalmente obrigações previstas dentro do regime de limite de emissões e comércio (o chamado “cap and trade”). Não basta estabelecer estes limites; é preciso que venham acompanhados de incentivos. Isso é o que está acontecendo nos Estados Unidos, que incentiva a transição para a descarbonização com o maior regime de incentivos desde a 2a Guerra Mundial, o Inflation Reduction Act, que se tornou uma política industrial de incentivos às energias limpas e combate às mudanças climáticas. Essa é uma questão muito importante, especialmente para as médias empresas, que serão obrigadas a reportar emissões acima de 10 mil toneladas de CO2, e também para as que acima do limite de 25 mil toneladas e receberão permissões para emitir dentro dos limites estabelecidos para cada setor, e que precisarão se adequar paulatinamente.
O desafio é evitar a perda de competitividade, certo?
Exatamente! Essas empresas, principalmente as médias, vão ter muitas dificuldades para se manter dentro das metas sem perder competitividade. Por isso, o período de transição e de ajustes, é tão importante. O que acontece normalmente é que as empresas não aproveitam os prazos para adaptação e só se movem às vésperas da implementação. Ou seja: é preciso haver um programa de suporte, alicerçado em incentivos em paralelo ao período de ajuste. E devemos nos aproveitar de todas as inovações tecnológicas existentes e que deverão surgir, e que possam contribuir para uma descarbonização inteligente e contribuir para o desenvolvimento da economia brasileira, sem perda de competitividade.
A aprovação do PL que regulamenta o mercado de carbono deixou de lado o agronegócio, maior emissor anual de gases de efeito estufa no país. O setor é responsável por mais de 22% do PIB nacional e por boa parte das emissões. Quais as implicações da exclusão do setor para os compromissos do país em relação ao combate às mudanças climáticas?
O agro tem um papel importante para a redução das emissões. Na pecuária, já alcançamos 230 milhões de cabeças e uma área ocupada de aproximadamente 170 milhões de hectares. Além disso, existe um potencial muito grande de usar as áreas de pastagens degradadas para projetos de agricultura regenerativa, restauração e outras práticas tais como os sistemas de produção ILPF (integração lavoura, pecuária e florestas) para não emitir e ainda fixar carbono. A agricultura brasileira é, ao meu ver, a mais sustentável do planeta. Temos um modelo de co-geração de energia e uma matriz limpa, com etanol, biodiesel e o biogás, que vem crescendo muito, além de inúmeros co-produtos da cadeia de alimentos, fibras e proteínas. Além disso, há milhares de pequenos produtores rurais, que estão caminhando para práticas sustentáveis e regenerativas, por exemplo, na Amazônia, e que a maioria das pessoas desconhece, e precisam ser reconhecidos pelo mercado.
Há 20 anos, adotamos práticas de cultivo mínimo e que hoje ocupam praticamente 95% da área brasileira das culturas anuais – os Estados Unidos não operam nem 20 % da área de agricultura com este modelo. Já fixamos muito o carbono nos solos tropicais e, se tivermos uma atitude proativa, podemos assumir de vez a liderança global em agricultura sustentável.
O que pode (ou deve) ser feito para tornar a agricultura cada vez mais sustentavel?
É preciso resolver a questão do desmatamento ilegal e zerá-lo a médio prazo, reduzir o uso de energias fósseis (diesel nas operacoes de campo), reduzir e neutralizar as emissões de metano da pecuária e do uso de fertilizantes fósseis, especialmente o nitrogênio. Essas são as principais áreas em que a performance da agricultura pode melhorar. O projeto ainda vai passar pela Câmara, onde ajustes e prazos precisam ser estabelecidos. Seria interessante refletir com profundidade sobre os prós e contras da inclusão do agricultura e quando isso poderia se dar. O próprio setor (e suas cadeias de valor) tem muito a se beneficiar, com crédito mais barato, uso de insumos que reduzem as emissões, aumento de competitividade internacional devido aos ganhos reputacionais e pela redução das barreiras técnicas que vêm sendo geradas.
Como a PlanC está estruturada para desenvolver projetos de carbono e soluções baseadas na natureza (NbS)?
Sim, estamos nos preparando para sermos uma referência nestes projetos para o mundo, originando projetos de qualidade e baixo risco. Mas antes precisamos alinhar definições e taxonomias sobre o que vem a ser um projeto NbS, conceito ainda muito pouco entendido pelos operadores deste mercado.
É importante entendermos o contexto mais amplo, de onde – e quando – este conceito foi estabelecido. No final dos anos 2000, um organismo internacional, a IUCN – a União Internacional para a Conservação da Natureza, que elabora o que nós chamamos de livro vermelho das espécies ameaçadas de extinção e define a categorização das unidades de conservação. E em paralelo, o Banco Mundial trouxe este conceito em um projeto de pesquisa.
E o que vem a ser concretamente este conceito?
É um “framework” amplo que envolve várias práticas que mimetizam aquilo que a natureza já faz, especialmente na provisão de serviços ambientais para a conservação da biodiversidade, do solo, da água, dos serviços e da resiliência dos ecossistemas às mudanças climáticas. Essas práticas são suportadas por indicadores, que podem nos ajudar a fazer a transição para modelos de produção menos impactantes. Com esse trabalho, foi enfatizada a importância da biodiversidade, que estava meio esquecida na agenda planetária por conta das questões do clima. As NbS trabalham em uma perspectiva mais abrangente, que concilia o clima com a biodiversidade.
Como está sendo conduzida esta transição para modelos menos impactantes?
Quando falamos em transição, a primeira imagem que nos vem à cabeça é a da transição energética. Mas temos várias transições que precisam acontecer simultaneamente – na verdade, estão acontecendo. Transição do modelo de desenvolvimento (onde a transição energética está inserida), transição digital, transição geracional. A PlanC foi criada para ajudar as empresas a navegar por estes cenários de transição. O cenário atual para monetizar ou viabilizar a transição está baseado na geração de créditos de carbono. Não significa que seja um único ativo que vai contribuir para o desenvolvimentos dos projetos. De um modo geral, nossos projetos hoje olham, sim, para a geração desse ativo, que é a moeda de carbono, mas o mercado precisa entender que há várias outras externalidades que precisam ser contempladas.
Quais avanços – ou transições – essa moeda de carbono pode viabilizar?
Entendemos que projetos de carbono precisam contemplar outros atributos e benefícios, como já disse antes, além da redução de emissões propriamente dita. Podem contribuir para a resiliência climática, conservação de água, da biodiversidade, dos sistemas de vida (livelihoods) e também para a descarbonização dos sistemas de produção, equidade e inclusão, por exemplo. O propósito da PlanC é olhar para o carbono como algo que pode contribuir para estas transições no sentido mais amplo deste conceito.
Portanto, as premissas para o desenho destes projetos não podem ser fundamentadas em um conflito entre o ambiente e o modelo de desenvolvimento. Os dois precisam andar juntos – já vimos o resultado quando isso não acontece: de 1970 para cá, emitimos mais CO2 equivalente do que toda a história da civilização. Passamos de 20 Gton CO2 em 1970 para 40 Gton CO2 em 2022. O problema é que o sistema planetário não está adaptado para absorver todo esse CO2 em um curto espaço de tempo (50 anos). Se isso tivesse sido feito ao longo de milhares de anos, o sistema se ajustaria. Porém esta conta já chegou! E já estamos pagando com todas estas instabilidades climáticas e eventos extremos que estamos vivendo nas últimas décadas.
Quais outras ações estão sendo tomadas no Brasil?
Alinhar os múltiplos focos das transições com os produtos financeiros é hoje uma prioridade para o mercado e já vem acontecendo no Brasil. O Banco Central tem uma estratégia e normativas para levar as instituições financeiras a quantificar o impacto do capital alocado nas mudanças do clima. Qualquer instituição financeira que aporta capital no mercado é corresponsável por aquilo que os recursos geram em termos de riscos e impactos climáticos. Recentemente, o Ministério da Fazenda abriu uma chamada pública para a discussão de taxonomia de finanças sustentáveis. Precisamos padronizar as taxonomias e quantificar os impactos de forma confiável e comparável para garantir que os incentivos e mecanismos regulatórios sejam efetivos.
Ouvimos repetidamente que o Brasil vai ser protagonista global em transição energética. O país está aproveitando, de verdade, as janelas de oportunidade no mercado?
O protagonismo do Brasil nessa transição para modelos mais descarbonizados a meu ver já é um fato. Estamos entre as oito maiores economias do planeta, e somos a única cuja matriz energética tem mais de 60% de fontes renováveis. Além disso, está tudo conectado – hidrelétricas, eólicas terrestres e offshore, fazendas de energia solar e plantas de biogás. Isso não existe em nenhum país algum do mundo – os Estados Unidos, por exemplo, têm 5 ou 6 sistemas não conectados. Outro aspecto importante é o avanço que nós já tivemos na descarbonização da matriz da mobilidade, graças ao etanol e ao biodiesel. Nenhum outro país fez isso em uma escala tão grande e tão rapidamente..
Para realização deste protagonismo, há pelo menos três vetores: políticas públicas (como, por exemplo, a criação do mercado regulado de carbono); implantação destas políticas (que é o próximo desafio) e segurança jurídica, para atrair os investidores que vão fazer de fato os projetos de carbonos deslanchar).
Para o Brasil avançar é preciso usar com muita inteligência o capital internacional. Nossa expectativa é que o país capte um terço de todos os projetos de NBS do mundo. E nos tornemos um país carbono negativo nas próximas duas décadas.
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As opiniões contidas nesta entrevista não refletem necessariamente o posicionamento da DEEP em relação aos temas abordados.