Por Paulo Miranda, CSO e cofundador da DEEP
“Criar um vírus positivo que pudéssemos plantar nas principais finanças e investimentos para iniciar uma conversa diferente de que essas questões são reais, são materiais e afetam seus investimentos de longo prazo”. Esse era objetivo do movimento ESG, de acordo com Paul Clements-Hunt, ex-chefe da Iniciativa Financeira do Programa Ambiental da ONU, que foi fundamental para a popularização do ESG a partir do início dos anos 2000.
A proposta ambiciosa de Clements-Hunt e sua equipe era mobilizar os maiores investidores do mundo para agir nas principais questões globais. A ideia era que as prioridades das Nações Unidas estariam realmente alinhadas com as necessidades dos investidores de longo prazo, uma vez que um meio ambiente e um mundo estáveis tenderiam a contribuir para uma economia mais próspera.
Em um primeiro momento, o ESG era entendido como um processo e foi projetado para ajudar os investidores a avaliar a saúde e a lucratividade futura de uma empresa. Se uma empresa investe muito em operações de carvão, por exemplo, provavelmente não terá um bom desempenho a longo prazo em uma economia global que está reprimindo o combustível sujo.
Já havia instituições financeiras de nicho, organizações religiosas e outros grupos que ofereciam opções de “investimento socialmente responsável”. Alguns chegavam a excluir setores específicos, como fabricantes de armas, dos fundos de investimento. Mas a equipe da ONU sabia que um apelo ético não seria suficiente para atrair a atenção dos investidores institucionais que controlam trilhões de dólares em ativos e são obrigados a priorizar o retorno financeiro acima de tudo.
“O desafio era romper com o que era então conhecido como investimento socialmente responsável, que era um nicho muito pequeno, amplamente orientado à exclusão de ações”, disse Jacob Malthouse, que ingressou no UNEP FI como estagiário em 2000.
Então, decidiram defender junto aos maiores fundos de pensão do mundo que a biodiversidade, os abusos dos direitos humanos e as emissões que aquecem o planeta entre outros são importantes não apenas do ponto de vista ético. Seu objetivo era provar que considerar as práticas de gestão de riscos envolvendo questões ambientais, sociais e de governança poderia de fato melhorar o investimento.
Começava a se consolidar a noção de que um ecossistema global de investimento de impacto poderia vir a guiar as decisões dos asset owners ou, ao menos, ampliar a consciência sobre seus efeitos no longo prazo.
Desafios e resistências
Mas, as principais instituições financeiras ainda não haviam abraçado a ideia de que o desempenho das empresas em questões sociais e ambientais poderia de fato afetar seus resultados financeiros. E os fundos de pensão citaram preocupações de que seu dever fiduciário os impedia legalmente de considerar fatores “não financeiros” ao investir.
Assim, a Finance Initiative encomendou dois trabalhos de referência de empresas externas para abordar essas preocupações.
O primeiro foi um relatório de 2004 dos principais analistas de corretoras – incluindo Goldman Sachs Global Energy Research, HSBC Asset Management e Deutsche Bank Global Equity Research -, que defendeu que os retornos financeiros de longo prazo dependem da "integração rigorosa de fatores ambientais, sociais e questões de governança corporativa” no processo de investimento. E esse é um elemento central nas definições sobre investimento de impacto, segundo também é relatado por Sir Ronald Cohen em seu belíssimo livro Impact: Reshaping Capitalism to Drive Real Change.
O artigo produzido – “A Materialidade das Questões Sociais, Ambientais e de Governança Corporativa para a Precificação de Ações” – é considerado por alguns como a primeira vez que as três palavras foram usadas juntas em uma publicação oficial da ONU.
O segundo foi um relatório da Freshfields Bruckhaus Deringer LLP de 2005 que afirmou que “integrar considerações ESG em uma análise de investimento para prever de forma mais confiável o desempenho financeiro é claramente permitido e é indiscutivelmente exigido em todas as jurisdições”.
Essa descoberta finalmente “permitiu que muitos investidores institucionais dos EUA que tinham medo de adotar essa abordagem … avançassem nessa direção”, disse Carlos Joly, um veterano do ESG que presidiu o Grupo de Trabalho de Gestão de Ativos das Nações Unidas por mais de uma década.
Princípios para investimento responsável
Quando foi lançado em 2006, o PRI – Princípios para Investimento Responsável – contava com 63 signatários representando mais de US$ 6,5 trilhões em ativos. Em 2021, já eram 3.900 instituições, representando mais de US$ 121 trilhões em ativos.
James Gifford, que disse ter apresentado a ideia do PRI em sua sexta semana como estagiário, atribuiu grande parte desse crescimento a um fator: uma vez que os grandes fundos de pensão aderiram, outras instituições, como gestores de ativos, tiveram que fazer o mesmo.
Dessa forma, o PRI foi o “veículo que levou o ESG ao próximo nível”, disse Gifford, que liderou a iniciativa por uma década e hoje é o chefe de assessoria sustentável e de impacto do Credit Suisse.
Avanços e pontos de atenção
A intensificação de eventos climáticos extremos, a crescente preocupação pública com as mudanças climáticas e o acordo climático de Paris de 2015 contribuíram para o crescimento do ESG. Isso, por sua vez, pode ter contribuído para uma falsa impressão pública de que as avaliações, pesquisas e fundos ESG fornecem respostas objetivas sobre quais empresas são as mais benéficas – ou as menos prejudiciais – para as pessoas e para o planeta.
“Eles não estão tentando dar a você um julgamento absoluto sobre a sustentabilidade das empresas. Eles estão tentando oferecer a você um universo de empresas que são relativamente mais sustentáveis nessas métricas do que seus pares”, disse Gifford.
Essa realidade despertou preocupações de defensores do clima, legisladores e executivos financeiros sobre a proliferação do ESG e o que deve acontecer a seguir.
A SEC e outros reguladores estão tentando responder à confusão. A agência propôs novas regras em maio que colocariam barreiras em torno dos tipos de fundos que podem usar nomes relacionados à sustentabilidade e exigiriam que as empresas de investimento respaldassem suas reivindicações verdes com provas sólidas (Climatewire, 26 de maio ). O órgão regulador também deverá se pronunciar definitivamente em outubro de 2023 sobre as regras para as divulgações financeiras com implicações climáticas.
“Acho que o ESG nos próximos 20 anos é sobre não permitir que o pêndulo volte para trás”, acrescentou Malthouse.
O investimento ESG cresceu muito e agora mobiliza praticamente US$ 3 trilhões em ativos em todo o mundo.
Agora, esses pioneiros do ESG se mostram preocupados com o uso de recursos e instrumentos ESG para greenwashing e afirmam que é fundamental que investidores façam análises mais aprofundadas e verifiquem se estão investindo em produtos realmente sustentáveis.
De qualquer forma, seguem acreditando que o investimento ESG é uma força para o bem no mundo, que pode ajudar a reduzir o impacto ambiental das empresas e promover práticas sociais e de governança mais responsáveis.
Fonte: https://www.eenews.net/articles/they-helped-create-esg-two-decades-later-some-see-a-mess/