Por Paulo Miranda
Hoje, está claro que os analistas de mercado olham para os impactos relacionados à sustentabilidade do planeta muito mais pelo viés dos riscos climáticos associados ao aquecimento global em função dos níveis de CO2 que continuamos a produzir do que por outros – mas, já sabemos que há muito o que avaliar quanto à totalidade de todos os riscos socioambientais e climáticos que afetam a visão desse mesmo mercado. Precisamos ir além dos riscos da carbonização do planeta e voltar nosso olhar para outras dimensões dos impactos ambientais.
O CDP, sistema global de divulgação de dados ESG adotado globalmente por aproximadamente 20 mil organizações, questionou as maiores instituições financeiras do mundo sobre qual é o potencial impacto negativo dos riscos hídricos para os seus negócios. A resposta, apresentada no relatório “Financial Institutions are Valuing Water” (https://www.cdp.net/en/water/financial-institutions-are-valuing-water), foi de que o impacto total para 22 dessas instituições financeiras é de US $6,4 bilhões, muito abaixo do número apresentado em 2020 por aproximadamente 3000 empresas, que foi de US $301 bilhões.
Essas avaliações básicas de impacto financeiro de riscos hídricos por instituições financeiras, em comparação com as de empresas, demonstram que mais instituições financeiras devem realizar essas avaliações para limitar os pontos cegos e mitigar seus riscos”, disse Patricia Calderon, diretora associada de segurança hídrica do CDP, à Environmental Finance.
Segundo a diretora do CDP, os impactos de eventos como inundações representam a maior ameaça para o setor financeiro e têm potencial de aumentar os custos de seguros e os riscos de crédito e reduzir as receitas: “As instituições financeiras precisam avaliar seus riscos, oportunidades, dependências e impactos relacionados à água. Eles devem alinhar sua estratégia de negócios, políticas e estruturas de governança”.
Calderon ressalta também que as agências reguladoras têm papel crítico em encorajar as divulgações sobre água por parte das instituições financeiras.
Algumas instituições financeiras, como o banco espanhol Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, já estão oferecendo empréstimos vinculados à redução do risco hídrico.
No Brasil, o Santander desenvolveu com a RMS( uma das maiores desenvolvedoras de métodos de avaliação de riscos para o mercado segurador), GIZ (agência alemã de cooperação internacional) e a Natural Capital Financial Alliance (NCFA), uma metodologia para análise de riscos hídricos, que ajuda as instituições financeiras a se tornarem mais resilientes aos riscos climáticos e está aberta para qualquer organização que queira utilizá-la – https://cms.santander.com.br/sites/WPS/documentos/arq-sustentabilidade-noticias-santander-testa-nova-teste-de-estr/18-08-13_182617_estresse_hidrico_executive_report_pt-br_v3.pdf
A importância dos recursos – e riscos – hídricos para a economia global
Os recursos hídricos são fundamentais para as pessoas – principalmente para aquelas e maiores níveis de vulnerabilidade, e também para os negócios e, consequentemente, para as instituições financeiras. O estudo do CDP destaca que 17 países retiram mais de 80% de sua oferta disponível a cada ano. De acordo com a ONU, entre 2 e 3 bilhões de pessoas já sofrem com a falta de água por pelo menos um mês do ano – https://news.un.org/pt/story/2023/03/1811712 .
A estimativa de recursos necessários para alcançar o ODS 6 (“Água limpa e saneamento – Garantir disponibilidade e manejo sustentável da água e saneamento para todos”) é da ordem de US $1trilhão, o que equivale a 1,2% do PIB global.
A expectativa é de que a escassez de água atinja dois terços da população mundial até 2025, com impactos na saúde e na produção de alimentos, entre outros.
De acordo com estudo realizado pela Aquanomics (https://aquanomics.ghd.com/), tempestades, inundações e secas podem causar perdas de US $5,6 trilhões até 2050. A água é o mais importante fator no MSCI Inc. World Index (https://www.msci.com/World) para empresas em setores intensivos em recursos, como agricultura, bebidas, serviços públicos, energia e mineração.
Construindo governança
Das 275 instituições líderes no mercado financeiro global que participaram do estudo do CDP e relataram que a água pode ser crítica para seus investimentos, 118 declararam que as questões hídricas estão sendo tratadas no nível dos seus Conselhos. Um terço dessas Instituições Financeiras afirmaram ter um ou mais conselheiros com competências em questões relacionadas à água .
Os principais direcionadores de riscos hídricos apontados foram os físicos e regulatórios. Já os que foram reportados pelas instituições financeiras como tendo impacto potencial foram os de crédito, mercado e reputação.
Conforme assinalou o estudo do CDP, as Instituições Financeiras mais avançadas na definição de estruturas de governança para riscos hídricos foram as europeias, seguidas das asiáticas.
Água: o fator natural mais crítico para investimentos
Em um outro estudo, o braço de pesquisa do banco de investimentos Jefferies [inserir o link: https://www.jefferies.com/] apontou que, ao se dedicar a mensurar os riscos naturais em seu portfólio, investidores devem começar pela água, o fator considerado como o mais crítico. A Jefferies analisou os setores mais impactados por esses riscos: Silvicultura; Agricultura; Pesca; Alimentos, Bebida e Tabaco; Aquecimento; e Construção Civil.
Grace Elshafei, da área de estratégia ESG da Jefferies Research, ressaltou a importância do tema: "(A água) foi o fator mais material, com base na nossa análise. Por isso, consideramos que é um ponto de partida útil. Muitas análises relacionadas à biodiversidade e ao capital natural feitas por investidores até agora têm se concentrado em impactos. Nossa tese é que é importante para os investidores ESG manter o foco em materialidade.”
Elshafei acrescentou que “o maior número de atividades de produção depende das águas superficiais, além de outros serviços ecossistêmicos relacionados à água". Águas superficiais são as mais acessíveis e abundantes fontes de abastecimento e se encontram em rios, lagos e mares, entre outros.
Os pesquisadores analisaram a materialidade e os impactos de 157 sub-indústrias. Uma limitação importante para avaliar o risco hídrico é a falta de divulgações corporativas consistentes – apenas 32% das empresas avaliadas citam explicitamente a água como um tema material para seus negócios.
“É importante também mapear as áreas de estresse hídrico potencial e, em seguida, envolver as empresas onde os ativos estão localizados", completou Elshafei.
https://www.cdp.net/en/water/financial-institutions-are-valuing-water