“O Brasil tem uma oportunidade inigualável de liderar essa transformação verde!”
Tarcila Ursini é Chief Purpose Partner da eB Capital, gestora focada em investimentos em empresas que trazem soluções para lacunas estruturais brasileiras. Com duas décadas de experiência na área de Sustentabilidade, Tarcila deu uma entrevista exclusiva para a DEEP sobre tendências e oportunidades para o Brasil, o agronegócio e as empresas.
Você tem uma experiência de 20 anos em estratégia de sustentabilidade e impacto positivo, inovação, cultura e governança corporativa. Olhando para trás, o que mudou nesses 20 anos – no Brasil, no mundo, nas empresas, na cultura corporativa…?
Tarcila: Qual o papel dos negócios nas várias crises que a gente está vivendo hoje – energética, alimentar, social…? Há 20 anos, essas questões eram puxadas globalmente pela sociedade civil e pelas ONGs. Elas ainda têm um papel fundamental até hoje, sem sombra de dúvidas. Só que agora, é um imperativo de negócios. Mudou completamente o cenário, com muitos riscos e muitas oportunidades.
No contexto atual, órgãos reguladores, investidores, empresas, enfim, o mundo inteiro está percebendo que vai haver uma reprecificação dos ativos. A emergência climática, a crise alimentar, a crise energética, tudo que isso implica no mundo, em termos de mudança na forma de operar os negócios… Vai haver uma avalanche de transformações! A gente começa a ver muitas oportunidades também.
Nesse cenário, o Brasil tem um papel fundamental, por ter a maior biodiversidade do planeta, o maior aquífero do mundo e um potencial de energia renovável absolutamente extraordinário, usar a biomassa, recuperar pastagens e ser um grande player também na alimentação global. Tudo isso nos coloca, como país, com uma oportunidade extraordinária.
O foco de vocês é a geração de valor pelo investimento em empresas que endereçam os gaps estruturais no Brasil. Quais são esses gaps? Como estão os investimentos da EB Capital?
Tarcila: O posicionamento da EB Capital é olhar para o que é preciso para o Brasil se desenvolver e onde estão as oportunidades de negócio também. Unimos os dois, sem abrir mão do retorno. Pelo contrário, temos retornos muito positivos! Onde tem um problema, tem uma solução, um desafio e uma oportunidade. Por exemplo, com toda a transformação digital, tecnológica, as empresas estão precisando de qualificação de mão de obra. Ao mesmo tempo, existe uma população jovem, desempregada, desqualificada. Como unir tudo isso? Começamos a investir em inclusão produtiva e educação profissionalizante, voltadas para a saúde e também para a área de tecnologia. É espetacular, porque você une uma demanda empresarial e uma transformação com um impacto gigantesco. São pessoas de classe C, D e E, principalmente; muitas são mulheres negras, que estão transformando as suas vidas a partir de um curso mais focado e são rapidamente empregadas no mercado de trabalho com um plano de carreira, e não mais um trabalho que não tenha perspectiva de mudança de vida.
Também olhamos várias outras lacunas: investimos em inclusão digital (temos a maior empresa de fibra óptica independente do país) – não precisa nem mencionar a importância da transformação digital para pequenos negócios e para a vida das pessoas…. Entramos em reciclagem – existe um grande problema que é a poluição de plástico e, ao mesmo tempo, há um monte de empresas fazendo compromissos para reduzir o impacto dessa pegada. Investimos também em geração distribuída de energia solar, bioenergia, agro regenerativo… Tem uma série de setores com lacunas e oportunidades. Essa é a lógica com que a gente vem trabalhando e é absolutamente incrível ver esses negócios prosperarem, gerando transformações sociais.
Sobre o Brazil Climate Summit, que discutiu as oportunidades e as responsabilidades do Brasil e a ambição de reposicionar o Brasil como protagonista de uma revolução verde ancorada nas vocações naturais e nas nossas vantagens competitivas. Como você vê essas oportunidades e responsabilidades?
Tarcila: O Brazil Climate Summit surgiu de uma ideia da Luciana Ribeiro, que é uma das fundadoras da EB Capital e tem uma visão extraordinária de liderança: "Está faltando um espaço de construção dessa visão coletiva de país". Depois, engajou todos alunos de Columbia e vários parceiros no Brasil. O evento entra no contexto agora das grandes conferências globais. Temos o compromisso de refazê-lo o ano que vem na cidade de Nova Iorque, antecipando a semana do clima e também a COP.
O Brasil tem uma oportunidade inigualável de liderar essa transformação verde. Primeiro, capturando as vantagens competitivas que já tem – 85% da matriz energética já são renováveis, em comparação à média global de 26%; muitos hectares de plantio direto; integração agropecuária/floresta, que já acontece em 17 milhões de hectares no Brasil (duas vezes o tamanho de Portugal); frotas aderentes a biocombustíveis… A pegada de carbono já é muito mais competitiva, por exemplo, para a indústria de cimento, para a indústria de aço, sem contar todo o potencial que a gente tem em outros setores como agricultura regenerativa. Assim como incentivamos cada vez mais o hub de carbono no país, devemos protagonizar energia renovável, eólica e solar; a produção de hidrogênio verde, que é uma energia que não é intermitente e o Brasil tem tudo para ser a grande potência de hidrogênio verde; liderar biomassa de energia, transporte, indústria… Um hub mundial de produtos da indústria de baixo carbono… Além de tudo, tem o agro regenerativo, que é um setor extraordinário, com uma grande oportunidade para trazer mais eficiência, mais biosoluções… O agro regenerativo também é uma grande potência brasileira.
Você participou da capa da HSM – “Zeitgeist, a força do nosso tempo" – em que você falou sobre a agenda de “Mudança Climática, Mudança nos Negócios”. Qual é o espírito do momento que nós estamos vivendo?
Tarcila: Quando se fala no cenário mundial, existem hoje 800 milhões de pessoas passando fome no mundo. No Brasil, quase 40% da população vivem com insegurança alimentar, sem saber se vão conseguir fazer as três refeições do dia. E a gente tem uma potência alimentar no Brasil. Ao mesmo tempo, o agro consome no mundo 70% da água potável e usa 50% das terras férteis. Temos um desperdício de no mínimo 30% dos alimentos do mundo e a população vai crescer de 40 a 50% nos próximos 20, 30 anos. A conta não fecha! A gente vai precisar de muito mais eficiência, muito mais inteligência. A gente precisa entender que conservar e produzir não são antagônicos. A gente precisa usar a tecnologia – agricultura de precisão, biosoluções, ter mais eficiência, encontrar uma nova forma de fazer negócio, em que tudo isso seja uma convergência. Esse é o mercado, o mercado do "e", não do "ou". A gente precisa de uma geração para liderar essa mudança, fazer com que os negócios estejam a serviço da transformação social, e reconheçam o valor da dimensão ambiental como pré-condição para que a gente opere e sobreviva como espécie.
Você é embaixadora no Brasil da Black Jaguar Foundation, cujo objetivo é reconstruir o corredor ecológico do Rio Araguaia, na Amazônia e no Cerrado. Você pode falar sobre a relevância deste corredor e do trabalho da Black Jaguar.
Tarcila: É uma das organizações mais incríveis que eu já conheci. Eles tratam da reconstrução no Brasil do maior corredor ecológico do mundo, que é o corredor do Araguaia. É uma organização que traz não só o impacto ambiental – que realmente é incrível, com biodiversidade, plantio de nativos… – mas também social e econômico, gerando centenas de empregos, capacitando a comunidade local e ajudando os pequenos e grandes agricultores a reflorestar, recuperar as pastagens e ter mais produtividade.
É um projeto genial, que o Brasil tem que conhecer, muito ambicioso, de dimensões extraordinárias de impacto. É nisso que eu acredito! Quando a gente fala em mercado de no carbono… Carbono é a cereja do bolo, não é o bolo! Não é o que a gente precisa transformar. A Black Jaguar é um dos exemplos mais incríveis de transformação local, de resgate da biodiversidade, de maior produtividade no campo… É um projeto completo, estratégico, acontecendo no Brasil.
Ter dados confiáveis, comparáveis e auditáveis sobre impacto é um dos grandes desafios das empresas. Como você vê o momento atual dos compromissos e divulgações ESG?
Tarcila: A questão da mensuração dos impactos, da gestão ESG, da transparência, se tornou fundamental, uma nova forma de administrar os negócios. O Banco Central exigiu que os bancos façam o reporte climático no padrão TCFD de forma obrigatória a partir deste ano. Isso gera um efeito cascata. Antes, para as empresas de capital aberto, a CVM tinha exigências apenas econômico-financeiras. Agora, ampliou para riscos sociais, ambientais, climáticos, materialidade, com indicadores de desempenho, diversidade e inclusão…
O BNDES tem reduzido juros para setores, estimulando que se comprometam com o corte de emissões. Passou, inclusive, a exigir a contabilidade de carbono para liberar empréstimos a partir do ano que vem. Em seguros, a Susep aprovou uma circular regulando riscos climáticos, que já causaram muitas perdas – catástrofes naturais atingiram US$ 150 bilhões. A Anbima está qualificando melhor o que é um fundo sustentável e um fundo que integra ESG. Tem a taxação que a Europa está criando para vários importados e inclusive, obviamente, do Brasil também, começando por fertilizantes, aço, cimento, eletricidade, alumínio… Vários setores vão ter precificação de carbono para exportação, exigindo também rastreabilidade de comprovação de desmatamento na cadeia. E o ônus da prova é do exportador. Isso atinge soja, carne bovina, óleo de palma, cacau, café, couro, chocolate, móvel, vários setores brasileiros… Os Estados Unidos também estão indo pelo mesmo caminho.
O IFRS, que promulga as normas internacionais de contabilidade, está criando também um padrão global de sustentabilidade. A contabilidade econômico-financeira integrada à contabilidade social, ambiental e climática, é um novo imperativo de negócios. E precisa ter credibilidade, ser auditada, ter uma verificação de terceira parte, no mesmo nível dos padrões econômico-financeiros.
Acredito que o próximo passo será a litigância climática e até a responsabilidade dos administradores por conta de informações que não forem fidedignas ou que forem baseadas em greenwashing ou não tiverem essa condição de primor no reporte. Esse é o futuro!
Assista o vídeo da entrevista: https://youtu.be/nARPpMdrfcM