ESG vai resistir a crises econômicas?

"Crise econômica reduz emissões de CO2 e expõe fragilidades do mercado de crédito de carbono. No mercado europeu, o preço da tonelada caiu praticamente a um terço de seu valor médio de 2008, quando se situava nos 30 euros". 

 

"A Comissão Europeia aprovou a Diretiva sobre Due Diligence de Sustentabilidade Corporativa (um componente importante do Acordo Verde Europeu 1) que exigirá mudanças estratégicas e operacionais das empresas em todo mundo. A CSDD apresenta regras para que as empresas meçam e minimizem os impactos adversos de suas ações, inclusive em suas cadeias de valor, dentro e fora da Europa. A diretiva segundo alguns observadores ajudará a fortalecer a governança global e promover práticas de compras responsáveis. Após aprovação do Parlamento Europeu poderá ser melhorada pelos Estados Membros nos dois anos de prazo que terá para entrar em vigor". 

 

Exatos 13 anos separam essas duas notícias. A primeira, de fevereiro de 2009, sobre o impacto no mercado de carbono causado pela crise financeira global que teve início no mercado imobiliário americano; e a segunda, de fevereiro de 2022, sobre a pressão regulatória da Europa sobre empresas de todo o mundo. 

 

 

O que mudou nestes 13 anos? Até que ponto novas crises econômicas podem impactar a agenda ESG das empresas e dos países? 

 

Crises, custo do capital e perspectiva de longo prazo 

 

Um dos primeiros efeitos de uma crise é um aumento expressivo no custo do capital para toda a economia, que pode ser observado, por exemplo, através do aumento na taxa básica de juros. Com juros altos, e com a instabilidade econômica, o foco das empresas passa a se concentrar quase exclusivamente no momento atual – como se costuma dizer nessas situações, "cash is king". 

 

Ao mesmo tempo, o longo prazo perde relevância nas estratégias, análises dos fundos e avaliações financeiras das empresas. Neste cenário, do ponto de vista meramente financeiro, um investimento que torne a empresa mais sustentável e mais bem avaliada daqui a 30 anos pode ser irrelevante em uma análise de curto prazo. 

 

A título de exemplo, considerando como taxa de desconto SELIC de fevereiro de 2021 (0,13%), uma projeção de um milhão de reais em 30 anos equivaleria a R$ 626 mil em valor presente (62%). Já com uma taxa mensal de 1,17% (SELIC de agosto de 2022), este número cairia para R$ 15 mil (1,5% do valor futuro). 

 

 

O que é diferente agora?

 

Em 2009, enquanto o mundo ainda sofria os efeitos da crise de 2008, foi realizada em Copenhague a COP 15. Antes, durante e depois do encontro, foi feita uma pesquisa (Reuters e Ipsos – G1 > Ciência e Saúde – NOTÍCIAS – 65% criticam demora de governos e empresas para salvar ambiente) que envolveu 24 mil pessoas em 23 países. Dos entrevistados, "65% criticam a demora de governos e empresas para salvar o ambiente". China, Índia e Turquia foram os únicos países a avaliar como satisfatórias as ações adotadas. Ou seja: naquele momento, as medidas eram percebidas como lentas e insuficientes. E o futuro (e a crise climática) era algo distante… 

 

Hoje, já percebemos os efeitos diretos das mudanças climáticas de forma severa, em várias partes do mundo. Na COP26, realizada no ano passado, o que se viu foi um senso de urgência muito mais acentuado. Na Conferência, foi regulamentado um mercado global de carbono e o setor privado, representado pelas principais empresas do agronegócio e por gestores que juntos administram US$ 130 trilhões, se comprometeu a alcançar a meta de neutralidade de carbono em 2050. 

 

A conclusão é de que, há 13 anos, ainda parecia possível adiar as ações para frear as mudanças climáticas.  Agora, está claro que as medidas são urgentes e inadiáveis. 

 

 

Afinal: a agenda ESG está em risco? 

 

Até aqui, vimos que as crises tendem a gerar um incentivo financeiro para que todos se concentrem no curto prazo e deixem de lado investimentos de longo prazo, como os que envolvem projetos e ações socioambientais. Por outro lado, observamos um compromisso crescente das empresas, dos agentes financeiros e dos governos com o combate às mudanças climáticas expresso na evolução das Conferências Climáticas. Mas isso não é tudo! 

 

Existe um outro ponto que é cada vez mais relevante: a pressão regulatória, dos consumidores e da opinião pública. Mercados como o europeu impõem sanções cada vez mais pesadas sobre as empresas, ao mesmo tempo em que agências como a brasileira CVM e a americana SEC estabelecem regras para tornar as divulgações ESG mais frequentes, confiáveis e comparáveis. Nessa mesma direção, a fundação IFRS avança no seu compromisso de criar uma base global consolidada para essas divulgações (https://deepesg.com/noticia/issb-avanca-no-desenvolvimento-de-uma-base-global-de-divulgacoes-de-sustentabilidade). 

 

Para ilustrar o contexto atual, temos o mercado americano sofrendo com inflação e alta de juros desde o primeiro semestre deste ano. Nesta semana, o Fed (Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos) decidiu pela alta de 0,75 pontos percentuais nos juros pela quarta vez consecutiva – Fed sobe juros em 0,75 ponto percentual pela quarta vez seguida – Estadão, em movimento já esperado por analistas (Inflação está tão alta nos EUA que banco central pode usar juros de 1994; entenda). Mas isso não freou o avanço de regulamentações ligadas à sustentabilidade ambiental no país: a SEC (Security and Exchange Comission, órgão americano similar à CVM brasileira) segue trabalhando a proposta de introdução da obrigação de divulgação de relatórios de riscos climáticos para empresas de capital aberto – como pode ser verificado nos artigos Statement on Proposed Mandatory Climate Risk Disclosures e Meeting Investor Demand for High Quality ESG Data. A expectativa é que as novas determinações já sejam válidas a partir das demonstrações financeiras referentes a 2023, de modo que as empresas e o mercado têm poucos meses para se adequar. 

 

“Muitas forças estão tornando a sustentabilidade uma consideração crítica para as organizações. Primeiro, cerca de US$ 5 trilhões devem ser investidos em sustentabilidade anualmente até 2025 – a maior realocação de capital da história. Ao mesmo tempo, aproximadamente US$ 11 trilhões em ativos terão que ser aposentados. O escrutínio dos investidores sobre o risco climático está aumentando, e consumidores e funcionários estão cada vez mais levando em conta a sustentabilidade na tomada de decisão. Isso é similar ao início da era digital. Da mesma forma, estamos vendo grandes mudanças nos conjuntos de valor que criarão novos vencedores e perdedores do setor e a base da concorrência mudará na maioria dos setores. Nesse contexto, as diretrizes de divulgação propostas pela SEC representam um ponto de inflexão e um catalisador para os negócios na América do Norte”

Laura Corb, líder das Práticas de Sustentabilidade da McKinsey para a América do Norte. Fonte: Understanding the SEC’s proposed climate risk disclosure rule | McKinsey

 

Conclusões 

 

De todo o contexto apresentado, nós, da DEEP, chegamos às seguintes conclusões:

  1.  De fato, momentos de crise historicamente fazem o foco da economia ser o curto prazo;

  2. Se a agenda climática fosse vista como uma agenda de longo, ou mesmo médio prazo, isso significaria uma diminuição no avanço desta pauta em momentos de crise (e de consequente aumento do custo de capital a nível global). Entretanto, a percepção até agora é que isso não tem acontecido. Isso significa que o mercado vem precificando os problemas relacionados às mudanças climáticas já no curto ou no médio prazo – em linha com as projeções científicas (por exemplo, do próprio IPCC);

  3. Existe um elemento não (diretamente) financeiro que é o regulatório, que tem ajudado a “segurar” o tema no mercado e é pouco afetado pelo aumento de custo do capital. 

 

ARTHUR COVATTI

Formado em Engenharia pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), com sólida experiência em Fusões e Aquisições. Atuou na fundação de diversas organizações sociais (ONGs) e permanece hoje como membro do conselho fiscal da Gastromotiva e do conselho do Instituto Alpha Lumen. É co-fundador e CEO da DEEP.

 

 

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