Em agosto, a Fundação IFRS (International Financial Reporting Standards Foundation), responsável pela governanca do International Accounting Standards Board – IASB, que edita as normas internacionais de contabilidade (IFRS e IAS), anunciou a consolidação do recém-criado ISSB (International Sustainability Standards Board) com a VRF (Value Reporting Foundation), a exemplo do que já havia acontecido em fevereiro com a CDSB (Climate Disclosure Standards Board). Essas consolidações seguem o compromisso assumido pela Fundação, anunciado por ocasião da COP26, de desenvolver uma base global consolidada de divulgações de sustentabilidade, que vem recebendo apoio integral de organizações internacionais e multilaterais.
Para falar sobre as implicações dessas iniciativas e seus possíveis desdobramentos, entrevistamos Amaro Gomes, membro do Conselho de Especialistas da DEEP ESG, ex-Board Member do IASB, ex-Chefe do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro do Banco Central do Brasil e ex-Secretário de Estado para a Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Brasil).
Como o sr. vê os avanços no trabalho do ISSB no sentido do desenvolvimento de uma base global abrangente de divulgações de sustentabilidade?
Amaro Gomes: “O ISSB é um órgão muito recente – sua criação foi anunciada no fim de 2021. Estamos vendo um avanço muito significativo e muito rápido na sua estruturação. Um avanço relativamente incomum para um organismo internacional. Hoje, menos de um ano após o anúncio da sua constituição, o ISSB está completo em termos de número de membros, se beneficiando dos profissionais que compunham as organizações já integradas a ele, com particular destaque para a VRF e a CDSB. O ISSB recebeu cerca de 1.300 manifestações referentes às suas minutas de pronunciamentos e segue no seu objetivo de divulgar até o fim do ano de 2022 seus primeiros pronunciamentos com foco nos riscos climáticos”.
Quais são os principais desafios neste momento?
AG: “O primeiro desafio é fazer com que esses pronunciamentos sejam aprovados pelos próprios membros do ISSB. Em seguida, entraremos numa segunda fase, em que o foco será atingir sua ampla aceitação no ambiente internacional. Esse, na verdade, é o grande objetivo do ISSB, que conta hoje com amplo suporte para se consolidar como organismo responsável pela promulgação das normas internacionais de sustentabilidade. Um exemplo deste apoio foi a manifestação favorável que recebeu da IOSCO (International Organization of Securities Commissions, organização internacional que coordena a atividade dos reguladores do mercado de capitais em mais de 100 países), que assumiu o compromisso de recomendar a adoção dos seus pronunciamentos pelos vários reguladores de mercado de capitais no mundo,a exemplo do que fez no passado com as normas internacionais de contabilidade do IASB”.
Existem hoje outros esforços concorrendo com os do ISSB?
AG: “Sim! Até novembro, a EFRAG (European Financial Reporting Advisory Group, órgão responsável pela assessoria à comissão europeia nas questões de contabilidade) planeja finalizar seu conjunto de recomendações para divulgação de informações ESG, também com foco em risco climático.
Em agosto, o FMI e o Banco Central europeu se manifestaram no sentido de estimular o ISSB e o EFRAG a convergir para um único conjunto de normas a ser adotado internacionalmente, evitando que haja distinção entre os conceitos a serem aplicados na Europa, um pouco mais avançada que o restante do mundo em relação a ESG, e aqueles que venham a ser aprovados pelo ISSB.
Além disso, vale a pena mencionar outro esforço regional, da SEC, responsável pela regulação e supervisão do mercado de capitais norte-americano, cuja proposta de divulgação de informações ESG também recebeu um volume muito significativo de comentários dos investidores, empresas e stakeholders.
Eu, e a comunidade internacional, espero que haja de fato uma convergência entre os requisitos da Europa e dos Estados Unidos para que se avance para uma ampla aceitação do padrão de divulgação de informações ESG pelas diversas jurisdições, em todo o mundo, com a sua integração às legislações locais e aos normativos dos supervisores dos mercados de capitais (CVM, no caso brasileiro), de seguros e das demais atividades econômicas”.
Quais são as referências que servem de base para o trabalho do ISSB?
AG: O ISSB, muito acertadamente, adotou as recomendações da TCFD (Task Force On Climate-Related Financial Disclosures) do FSB (Financial Stability Board) como base para os seus pronunciamentos e incorporou os avanços da Value Reporting Foundation (VRF) resultantes da fusão da IIRC (International Integrated Reporting Council) e dos pronunciamentos por indústria estabelecidos pelo SASB (Sustainability Accounting Standards Board).
Na sua opinião, quanto tempo será necessário para que já se possa observar os efeitos dos novos padrões globais do ISSB?
AG: “Considerando o processo de avaliação de pronunciamentos da Fundação IFRS, se o ISSB tiver sucesso em promulgar até o fim deste ano seu primeiro conjunto de pronunciamentos de sustentabilidade, deve se observar um prazo mínimo de dois anos para que essa adoção se torne obrigatória (pelo menos essa e a pratica usual no IASB). De qualquer forma, as organizações já poderão adotá-los imediatamente, de forma antecipada.
As empresas que já adotam o Relato Integrado e os pronunciamentos do SASB provavelmente não sofrerão uma mudança significativa nos seus procedimentos. Aquelas que ainda não o fazem, encontrarão nesses padrões uma clara indicação de como avançar com suas divulgações.
Em seguida, entraremos em outras etapas, com a recepção pelos reguladores; a capacitação dos auditores para que avaliem as organizações; e a atuação dos preparadores, estruturando sistemas para capturar e divulgar os dados e explicá-los para os investidores. Oportuno ressaltar a importância da adoção de taxonomia pertinente aos eventos divulgados, de modo a permitir a adequada e tão desejada comparabilidade.”
Um aspecto fundamental para as divulgações de sustentabilidade é a comparabilidade entre os dados. Como o ISSB vai endereçar esta questão?
AG: “Em uma primeira fase, o que se objetiva é a comparabilidade entre organizações do mesmo setor. No futuro, essa comparabilidade deve se estender a organizações de setores distintos, sempre lembrando que comparar essas organizações não é uma tarefa fácil. Caberá ao mercado, analistas e investidores um papel muito importante no direcionamento dos requisitos relacionados às informações da natureza ESG para os diversos setores.
Um ponto interessante a considerar: enquanto o SASB edita pronunciamentos por indústria, o IASB sempre o fez por evento econômico. Caso o ISSB decida caminhar na mesma direção do SASB, caberá ao Relato Integrado do IIRC fazer a conectividade entre as demonstrações financeiras e as divulgações de sustentabilidade, e idealmente o ISSB também se dedicaria ao desenvolvimento da taxonomia, assim como o faz o IASB para as IFRS, para fins de XBRL. Essa conectividade será talvez o elemento mais relevante para que se tenha uma análise criteriosa por parte de investidores e demais usuários das demonstrações financeiras com relação ao potencial de geração de valor da organização e, obviamente, aos impactos climáticos e sociais da sua atividade e estrutura de governança”.
Assista a entrevista na íntegra: https://www.youtube.com/watch?v=EBuRCni4IFw