A Fundação IFRS segue trabalhando na construção de padrões globais de ESG, enquanto busca formar seu quadro de conselheiros. Um rascunho dos primeiros resultados deverá ser anunciado em setembro.
Entretanto, o alcance de métricas globais pode não ser tão simples assim. Há que se considerar as necessidades de comunicação entre diferentes setores. Ainda assim, a analista responsável técnica pelo programa de sustentabilidade da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Fernanda Ramos, vê as tratativas como positivas – se comparados os mesmos setores.
“Se pegarmos o exemplo do varejo de moda, um setor representado por nós e que hoje vemos grandes marcas brasileiras se posicionando no tema, ganhando prêmios, recebendo reconhecimentos internacionais e que fazem relatórios de sustentabilidade, certamente para este setor, por poder se comparar e analisar com o seu concorrente, em questões mais subjetivas e qualitativas de sustentabilidade, trará aprendizados, reflexões e oportunidades de melhorias com a experiência do outro”, disse a analista em entrevista à DEEP.
Já o Financial Times em artigo que analisa o processo de universalização de parâmetros de ESG, lembra que as empresas tendem a argumentar que seus negócios são de “natureza única” o que dificulta as comparações, e isto explicaria, segundo a revista, o fato de que a unificação de ESG “segue altamente contestada”, embora as negociações sigam seu curso.
Naiara Bertão, em Valor Econômico, lembra que parâmetros adequados de ESG serão cobrados não apenas de grandes organizações, mas, também, a partir das empresas a toda sua cadeia, principalmente a partir de corporações do setor agropecuário e de papel e celulose, além de exportadoras, pressionados por um mercado cada vez mais exigente, no exterior.
Processo em andamento – A Fundação IFRS recebeu amplo apoio de todos os atores que dão suporte aos mecanismos de divulgação para dar continuidade à proposta de estabelecer consenso e criar as bases para novos padrões de divulgação de sustentabilidade de alta qualidade em escala global.
Talvez este seja o principal passo para atender às expectativas e às necessidades de informações para o mercado e investidores em geral. Para Paulo Miranda, Co-fundador da DEEP “esse esforço resultará na consolidação do mecanismo do novo International Sustainability Standards Board (ISSB) e permitirá que o processo de adoção às novas regras, por parte do mercado de capitais, ganhe momento, e mudará a forma como investidores, gestores de ativos e empresas irão encarar essas mudanças”, afirma.
A organização promete, para os próximos meses, a divulgação dos primeiros drafts, a depender somente da indicação de, pelo menos, oito dos 14 membros previstos para a formação do conselho conforme proposto na COP26, em Glasgow, segundo anúncio da IFRS.
Embora a construção deste consenso seja um trabalho gigantesco, “há uma forte demanda das partes interessadas para que o ISSB publique os requisitos finais em tempo hábil com base no protótipo sobre clima e nos requisitos gerais de divulgação de sustentabilidade também publicados na COP26, sujeito ao processo adequado”, aponta o comunicado. No final deste trabalho o que se espera é que o ISSB tenha conseguido consolidar um processo que vem sendo impulsionado pela IFRS envolvendo diversos atores, para levar um arcabouço mais sistemático, e mais compatível e atualizado às demandas e realidade global.
A DEEP segue acompanhando os avanços deste processo.
Três perguntas
A holding EDP Brasil é parte do grupo europeu Energias de Portugal. A empresa assumiu um compromisso público de, até 2032, reduzir em 85% suas emissões de carbono em relação a 2017 e, em lista válida para 2021 e 22, foi ranqueada em primeiro lugar no ISE da B3. Em entrevista exclusiva à DEEP, o diretor de sustentabilidade da organização, Dominic Schmal avaliou como “interessante” a universalização das métricas ESG e discorreu sobre o tema.
Dominic Schmal, diretor de sustentabilidade da EDP.
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Como a sua organização/empresa vê a proposta de universalização/unificação dos parâmetros de ESG? Comente.
Acreditamos que esta possa ser uma proposta interessante no sentido de facilitar o entendimento das diferentes metodologias, porém, é importante que esse processo seja flexível o suficiente para não generalizar a materialidade dos temas ESG para todos os setores e atividades de maneira a fragilizar as informações. Não é desejável um processo de alinhamento onde não haja a visão dos contextos socioambientais de cada Companhia.
Caso o caminho de encontro das metodologias ocorra, este pode ser um processo importante para trazer maior clareza e comparabilidade das informações, o que é positivo. Quanto mais claros forem os índices utilizados, maior a possibilidade de outras empresas aplicarem métricas, assim como o espaço da pauta ESG como um todo tende a ser ampliado. Como uma empresa comprometida com a excelência em ESG e que acredita na Sustentabilidade como principal valor de uma estratégia integrada, a ampliação do debate sobre temas como direitos humanos, meio ambiente e corrupção é um ganho coletivo.
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A universalização dos parâmetros ESG já está no “radar” de sua organização/empresa? Comente.
Sim. Estamos atentos a todos os movimentos, inclusive tivemos participação em diversas discussões nesse sentido na última COP26. Já trabalhamos de maneira conjunta metodologias como TCFD (Task Force on Climate-related Financial Disclosures) e SASB (Sustainability Accounting Standards Board).
Em cada uma delas, existem escopos diferenciados e variações, mas também muitas consonâncias. Além disso, os últimos anos têm sido repletos de bons movimentos a fim de aproximar metodologias. O TCFD, por exemplo, surgiu reunindo diversas organizações para desenvolver um padrão para medição e divulgação dos riscos financeiros relacionados ao clima. Vale como referência também o SSB (Sustainable Standard Board), criado pela IFRS Foundation, visando padronizar a divulgação das práticas sustentáveis a fim de realizar a integração com os relatórios financeiros.
É importante acompanhar também as discussões em nível local, como a recente movimentação da CVM para exigir mais informações ESG às empresas, estimulando um nível cada vez maior de integração entre os processos de prestação de contas e os temas socioambientais.
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Que benefícios a proposta traz para organizações/empresas, na sua opinião?
Essa iniciativa tem potencial para impulsionar o desempenho global em sustentabilidade, num momento em que se exigem cada vez mais dados objetivos e baseados em evidências. A experiência de anos produzindo relatórios de sustentabilidade tem nos despertado para um aspecto desafiador: é preciso ser cada vez mais transparentes.
Na EDP, discutimos há algum tempo a necessidade de reportar de maneira tempestiva nossas políticas e desempenho nos temas ESG. Em 2021, lançamos nosso primeiro Relatório de Desempenho ESG trimestral e o ESG Question Bank, uma ferramenta de busca que permite a consulta das principais iniciativas ambientais, sociais e de governança da EDP de forma ágil e objetiva, a partir do formato de perguntas e respostas. Além disso, mantemos uma página específica sobre o tema dentro do site de RI (Performance ESG), servindo de base para que investidores, analistas de rating e a sociedade tenham insumos sobre a Companhia.
Pensamos nossos passos e discutimos internamente a fim de seguir ampliando as fontes de consulta, bem como seguir nos adaptando às mudanças que vão ocorrendo gradualmente em cada um dos ratings e metodologias que utilizamos. Isso também acaba contribuindo em mudanças positivas na cultura organizacional da empresa e reforçando a ideia de que temos desafios, mas estamos percorrendo o caminho certo.