Mulheres de Impacto – Lúcia Garcez Lohmann

‘Mercado e ciência precisam conversar’

Diretora executiva da ATBC (Association for Tropical Biology & Conservation) desde 2019,  Lúcia Garcez Lohmann demonstra entusiasmo e otimismo naturais ao falar sobre temas ligados à biodiversidade e à conservação de espécies: “Na associação, trabalhamos para trazer a ciência ao centro das tomadas de decisão. Queremos unir conhecimentos, cruzá-los entre setores variados e transformá-los em soluções”.

Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo, Lúcia tem mestrado e especialização em Biologia Tropical e Conservação pela University of Missouri-S.Louis; doutorado em Ecologia, Evolução e Sistemática pela mesma universidade; e ós-doutorado pelo CCSD (Center for Conservation and Sustainable Development) do Missouri Botanical Garden. É também professora doutora do Departamento de Botânica da USP, com importantes trabalhos de campo na Amazônia, para citar apenas algumas de suas realizações.

Na entrevista exclusiva para a DEEP, Lúcia fala de suas expectativas, do crescente engajamento do setor privado na preservação do meio ambiente, da importância da continuidade de políticas públicas eficazes e do peso da ciência na tomada das decisões. 

– Por que escolheu a biologia?

Nem eu sei direito o motivo. Gostava de falar sobre preservação do meio ambiente, sobre plantas, quando quase ninguém conhecia ou discutia o tema. Eu era vista com certo espanto. Logo depois da Rio-92, as coisas começaram a mudar, e as pessoas passaram a entender mais sobre o assunto. Antes disso, mostrar preocupação com a Amazônia, por exemplo, era quase o mesmo que falar sobre um planeta distante. 

– E as coisas mudaram muito?

Sim. Podemos até caminhar em ritmo lento, mas é incrível como nos últimos anos todos os setores estão se conectando à biologia. A discussão tomou conta de diferentes atividades, inclusive por conta do trabalho desenvolvido por empresas como a DEEP. Mensurar o trabalho das corporações no meio ambiente é essencial para mitigar os impactos negativos das suas atividades. O que recolhemos de informações sobre biodiversidade também contribui na hora de buscar soluções conjuntas. Deixou de ser problema de um pequeno grupo, e passou a ser percebido como um problema de todos nós.

– O que falta mudar?

Muita coisa! Hoje, a discussão está centrada basicamente na redução e compensação das emissões de CO² na atmosfera. Mas a pauta precisa se tornar mais abrangente, envolver biodiversidade, tema sobre o qual ainda conhecemos muito pouco. A biodiversidade está começando só agora a ser incorporada ao debate, mas, mesmo assim, ainda de forma superficial. À medida que avançamos no conhecimento, estamos vendo a importância e o peso de ampliar o conceito de sustentabilidade.

– E esse é um dos objetivos da luta pela conservação dos trópicos?

Em grande parte, os modelos que usamos na ATBC são sobre serviços ecossistêmicos de regiões temperadas, com biodiversidade muito menor e modelos de análise mais simplistas. Temos muito que avançar por aqui, criar nossos próprios processos e métodos. Nossos conhecimentos de espécies da Amazônia, por exemplo, são de apenas 10%. Há uma infinidade de pontos para pesquisar e descobrir.

– Qual o seu trabalho especificamente com a biodiversidade?

Sou dedicada à taxonomia, campo da ciência que organiza toda a diversidade biológica. É o que nos ajuda a nomear, classificar e conservar as espécies. A partir dessa documentação, conseguimos entender o ecossistema. Voltando 130 milhões de anos na história, sabemos como as espécies se adaptaram e como poderá ocorrer uma nova adaptação daqui para frente. Um dos meus primeiros trabalhos foi em campo, na Amazônia central. Fui estudar um grupo de ipês, minha especialidade. Logo, me disseram “a família que você trabalha tem 15 espécies já catalogadas”, como se não houvesse mais nada a pesquisar ali. Depois de dois anos, eu tinha documentado 150 outras espécies no local. Isso, numa das regiões mais bem estudadas da Amazônia. Digo aos meus alunos que trabalhar na floresta é maravilhoso, porque quase tudo é novo. E não há exagero no que estou dizendo.

– Como está atualmente o cuidado com a preservação da Amazônia?

Pelo que tudo indica, o cenário é bem mais severo do que imaginávamos. Temos muito trabalho pela frente.

– Como é possível recuperar uma floresta?

Se não temos a verdadeira dimensão de quantas espécies temos, estamos bem longe de uma solução. Começamos num panorama de que só plantar árvores já seria o suficiente. Quanto mais estudamos as espécies e suas interações, verificamos que vamos precisar de um número cada vez maior de espécies para reconstruir ambientes saudáveis, incluindo os polinizadores. Mesmo em áreas de estudos contínuos, locais de florestas aparentemente intactas, a queda no número de insetos é imensa. 

– Você acredita que estamos virando esse jogo?

Eu sou sempre otimista. Há 30 anos, eu tinha a impressão de que estava falando com as paredes. Isso mudou. Ao longo dos últimos anos, as empresas estão passando a ter essa preocupação, buscando mensurar o impacto de suas atividades no meio ambiente e na sociedade e, assim, agir de forma responsável. Boa parte se dedica, agora, a meios reais, e não só propostas revestidas de boas intenções. Passaram a se orientar pela ciência, com dados robustos. Tudo isso está levando a mudanças e, creio, será capaz de mitigar os danos ao meio ambiente.

– Como estão os estudos em relação a outros biomas no Brasil?

Todos os biomas prestam serviços ecossistêmicos diferentes e importantes. Se pensarmos que há 100 milhões de anos a América do Sul inteira era coberta por uma única floresta, temos uma noção do quanto os ecossistemas estão interligados. Quando surgiu a diagonal seca, com a formação do Cerrado, da Caatinga e do Chaco, a Amazônia se separou da Mata Atlântica. Os biomas compartilham espécies; a  sobrevivência de um deles afeta diretamente a do outro. São conectados e interdependentes.

O que fazer para avançar mais em legislação? Os decretos recentes ligados a meio ambiente são relevantes?

No Brasil, o meio ambiente sofre com a descontinuidade das políticas públicas. Para quem trabalha com biodiversidade, num país como o nosso, equivale a uma lição diária de humildade. Estamos sempre com a sensação de recomeço, vivemos uma instabilidade permanente. É admirável o que conseguimos fazer nas universidades do país com tão pouco apoio e recursos.

– O mercado de carbono precisa conversar com vocês cientistas?

Sim. Mercado e ciência precisam conversar. É um diálogo importante, até para pensarmos em trabalhos mais colaborativos, que se desenvolvam conjuntamente. A interação com o setor privado ainda não tem tradição no Brasil, quase toda pesquisa é financiada pelo Poder Público, mas estamos no caminho certo agora.

– Como usar a biodiversidade de maneira interessante, produtiva, sem abrir mão da sustentabilidade?

Adoraria ter uma resposta. Precisamos de uma visão de longo prazo, com preservação da biodiversidade. É um momento oportuno para deslanchar projetos e parcerias. As empresas estão se conscientizando mais. Percebemos ainda um cenário difícil, é a primeira vez que estamos fazendo esse tipo de trabalho, ainda não é trivial. Mas um ponto é inegável – e inegociável: ganho econômico, no curto prazo, não pode justificar o comprometimento da qualidade do meio ambiente e da vida no planeta. 

 

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