Entrevista exclusiva: Roberto Alvarez

Como Diretor Executivo da Global Federation of Competitiveness Councils, uma organização que inclui corporações, universidades, governo e membros sem fins lucrativos do setor privado, Roberto Alvarez conduz as atividades de uma comunidade de líderes que abrange 35 países. Além disso, é sócio de uma firma de Venture Capital em Nova Iorque, a Seldor Capital, que realiza investimentos nos EUA, Europa e Canadá, e participa de várias redes profissionais globais.

“Meu objetivo é criar valor na sociedade por meio de pensamento, ação e engajamento, com uma abordagem sistêmica e com foco em inovação. Não acredito em limites, fronteiras, restrições. Vejo o mundo como um sistema e estou sinceramente convencido de que precisamos de um pensamento inovador, de novos frameworks para transformar as organizações e de modelos abertos para interagir com as pessoas. Só assim seremos verdadeiramente capazes de criar valor novo, preservar a natureza, libertar o potencial humano, enfrentar os desafios críticos que temos no planeta e aproveitar ao máximo as oportunidades que a tecnologia está a abrir”, resume Roberto, em seu perfil pessoal no Linkedin. 

Há mais de 25 anos, Roberto atua no que ele próprio define como “as interseções entre tecnologia, negócios, políticas públicas, questões globais e comunicação”. Na sua trajetória, foi pesquisador, coautor de livros, consultor de negócios, cofundador de empresas de tecnologia, professor universitário, organizador de conferências globais, construtor de parcerias público-privadas globais, investidor e conselheiro de startups, ONGs e de órgãos do governo. 

“Vejo todas essas coisas intimamente relacionadas”, explica. “Adoro resolver problemas e fazer parte de equipes práticas, voltadas a desafios, altamente interativas e criativas. Entendo que a sustentabilidade é a maior oportunidade que temos hoje no mundo. Precisamos de inovação em tecnologia, modelos de negócios, finanças, instituições e abordagens de resolução de problemas para ‘resolver a sustentabilidade’ ”, completa.

Você já morou em vários países e esteve em mais de 50. Como você define sua trajetória?  

Roberto: Inusitada, diferente. Acho que sou um tipo meio difícil de colocar em uma caixinha ou outra. Talvez o aspecto mais relevante é ter transitado entre diferentes mundos: universidade, startups, investimento e política pública. No Brasil, as estruturas são muito segmentadas, o que dificulta essa circulação e nos coloca atrás em termos de desenvolvimento. Precisamos de mais gente circulando entre setores.

Acredito que é essencial desenvolvermos a habilidade de transitar entre diferentes culturas e setores para lidar com desafios complexos. Por exemplo, para impulsionar a inovação, precisamos de uma convergência entre as linguagens, protocolos, modelos mentais e formas de trabalho entre universidades, empresas e governos. Isso exige que tenhamos gente que circulou entre esses domínios e conheça essas diferentes realidades – algo que ainda é uma barreira significativa no Brasil -, nas estruturas corporativas e institucionais, especialmente nas carreiras do setor público. Sem essa facilidade de circulação, ficamos cada vez mais para trás em termos de desenvolvimento e inovação.

A habilidade de me mover entre diferentes domínios  de conhecer um pouco de suas realidades distintas, é algo que me influenciou profundamente. Isso, acho, me habilitou a ‘falar’. Essa integração é fundamental, especialmente quando se pensa na estruturação de projetos complexos e negócios. É necessário ter uma compreensão abrangente de todas essas perspectivas para avançar projetos complexos.

Aliás, falando em circular e atravessar ‘fronteiras’, é preciso dizer que nossa economia é muito pouco internacionalizada! Temos uma participação baixa do comércio exterior no PIB, menos de 30%, e uma população que é hoje composta por menos de 0,5% de imigrantes. Nós fomos um país de imigrantes, hoje somos muito pouco conectados ao mundo. Isso se traduz em uma falta de conexões com o exterior, o que inibe nossa capacidade de fazer negócios globalmente. Em outros países, as relações pessoais e a experiência internacional facilitam a expansão dos negócios.

Como você vê o papel da política industrial brasileira nesse contexto?

Roberto: A política industrial deveria promover uma transformação estrutural da economia, mas o que vemos parece muito mais voltado à proteção do que já existe. Se olharmos para os Estados Unidos, por exemplo, as maiores empresas de hoje não existiam há 30 anos. No Brasil, não observamos esse movimento, as nossas grandes empresas de origem brasileira – e é muito importante dizer que ter empresas com origem e sede no Brasil é fundamental -, são mais velhas e estão em setores mais tradicionais da economia que as americanas. Nossa economia oxigena pouco e é  pouco globalizada. 

Dito isso, nos falta uma política industrial que seja realmente voltada para construir o futuro, não apenas para preservar o presente. No ano passado, escrevi um artigo questionando: ‘E se uma Tesla surgisse no Brasil?’ Agora, em 2024, estamos introduzindo uma nova política industrial, mas é preciso refletir sobre o ciclo anterior e reconhecer que não houve uma transformação estrutural marcante na última década.Por outro lado, à mesma época quando se lançou o ciclo anterior de políticas industriais, em 2003, a Tesla foi fundada,  começou do nada e se tornou a maior montadora do mundo em valor de mercado em apenas 20 anos. Mesmo com a queda recente das ações da Tesla, se somarmos hoje o valor de mercado de Ford, GM, Stellantis, Toyota e Volkswagen chegamos a um valor que é próximo ao dessa empresa, Tesla, que nem existia há 21 anos.

No Brasil, não conseguimos replicar esse tipo de sucesso empresarial, e isso está ligado em grande medida ao ambiente econômico e de negócios. 

Como avalia o esforço da DEEP e de outras organizações no sentido da criação de uma base de fatores de emissão adaptada à realidade brasileira?

Roberto: Estamos diante de um desafio comum aos países em desenvolvimento. As normas técnicas e os procedimentos regulatórios, muitas vezes estabelecidos em contextos estrangeiros, não se encaixam perfeitamente em nossa realidade. É essencial construirmos parâmetros, métodos de cálculo, infraestruturas públicas de dados e padrões técnicos próprios. Esse processo deve estar ligado não só à descarbonização, mas também impulsionar a inovação e o nascimento de novas empresas no Brasil, que façam isso como negócio. Vejo uma oportunidade significativa para o setor privado na criação de métricas, tecnologias, padrões e negócios.

Quando falamos de infraestrutura conceitual e de dados para compreender a economia brasileira ou de padrões técnicos para análise de carbono no solo, não podemos simplesmente transplantar soluções de outros países. Devemos considerar o Brasil como um todo em nossa busca pela descarbonização, o que representa um desafio particularmente para aqueles que estão na vanguarda das políticas públicas para a transição energética. Para tornar isso possível, precisamos desenvolver infraestruturas públicas adequadas, como a atualização da matriz de insumo-produto, por exemplo. Esse esforço não só facilitará a transição ecológica, mas também permitirá o surgimento e operação de novas histórias e empresas no país. Aqui, temos uma interação vital entre os setores privado e público.

Portanto, há uma tarefa clara diante de nós. O setor público deve estar atento e agir em relação a essas necessidades. E, sem dúvida, há também enormes oportunidades para o setor privado. Quem desenvolverá os padrões técnicos e os sensores para análise de solos no Brasil? Quem criará as métricas para medir emissões e o consumo de recursos como energia e água nos diversos setores da indústria, da manufatura discreta, no Brasil? Essas são as questões que devemos abordar para avançar.

Você é investidor da DEEP; qual é a sua tese de investimento? Em outras palavras, como você escolhe as startups nas quais vai investir? 

Roberto: Minha estratégia de investimento é bastante diversificada, tanto geograficamente quanto em termos de setores. No Brasil, estou envolvido com startups através de duas plataformas principais: minha própria empresa de investimentos, a AVentures, e um fundo focado na indústria 4.0. Fora do país, sou sócio de um fundo em Nova York focado em space tech, a Seldor Capital, que tem investimentos nos Estados Unidos, Europa e Canadá. Além disso, estou participando da captação do primeiro fundo da FrissOn Capital, uma gestora que irá investir em deep tech na América Latina e conectar as startups com os mercados das economias avançadas, até para que acessem recursos de P&D abundantemente disponíveis nesses países. É um projeto com colegas do Chile, Brasil, México, Estados Unidos e Canadá.

O que me atrai particularmente são empresas que têm uma pegada forte de ciência e tecnologia, um time com visão e ambição global e foco em coisas que são tendências globais como a sustentabilidade, como é claramente o caso da DEEP. Acredito que há oportunidades incríveis para empresas que conseguem combinar conhecimento técnico avançado, muita energia de execução e uma visão sustentável do futuro.

Acho que por causa da minha curiosidade com as coisas e minha experiência que passou por uma convivência no meio acadêmico, tenho uma inclinação natural para investir em empresas intensivas em conhecimento. Além disso invisto em hardware, o que é um tanto mais desafiador aqui no Brasil. Por exemplo, investi em uma empresa que recicla baterias de lítio e também em uma fabricante de motocicletas elétricas. São dois casos de empresas com engenharia no Brasil. Esses tipos de investimento geralmente levam mais tempo para amadurecer, mas são áreas que eu acho particularmente gratificantes.

Suas expectativas para o futuro? 

Roberto: Olhando para o futuro, vejo que o mundo está se movendo em direção a soluções mais sustentáveis. Embora a mudança possa não estar acontecendo tão rapidamente quanto gostaríamos, estou otimista de que essa tendência vai acelerar. E, na América Latina em particular, vejo um potencial enorme para crescimento nesse sentido. Agora, existirão muitas idas e vindas, e temos todos muito o que aprender. Toda a história de investir em startups, o que por si só é mega desafiador em um país com as altíssimas taxas de juros do Brasil (sempre pergunto para as pessoas: onde você tem o seu dinheiro aplicado, em renda fixa ou em startups?). Empreender ainda é algo muito novo no Brasil! Olhando de fora, o mercado é muito pequeno. Por outro lado, isso também gera oportunidades. Há muito a se fazer e crescer. 

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