Presidente do CEBDS e Conselheira do Governo Federal (Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável), Marina Grossi é reconhecida por seu papel como negociadora do Brasil em conferências climáticas globais e por sua liderança no Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas. Sua experiência inclui a participação nas negociações do Protocolo de Kyoto e a coordenação de esforços para o envolvimento do setor privado brasileiro na regulamentação do mercado de carbono.
Veja abaixo a entrevista exclusiva que Marina Grossi concedeu para a DEEP.
Marina, você está na presidência do CEBDS desde 2010. Como avalia os avanços do CEBDS e, a partir desta perspectiva, os avanços do país como um todo neste período?
Ao longo destes anos, vi o CEBDS e a agenda da sustentabilidade como um todo avançarem em diversas frentes, e é muito gratificante participar desse processo. Hoje conceitos e temas como sustentabilidade, ESG e mudanças climáticas ganharam mais visibilidade e passaram a ocupar com mais frequência as conversas e as preocupações da sociedade, tornando-se mainstream nas empresas. E o CEBDS, que há 27 anos é a voz do setor empresarial brasileiro para temas ligados ao desenvolvimento sustentável, tem um importante papel nesse processo e vem crescendo continuamente em número de associadas e relevância.
Um exemplo que ilustra isso muito bem aconteceu durante a COP 26, em Glasgow, quando lideramos o posicionamento “Empresários pelo Clima”, assinado por 119 CEOs de grandes empresas e 14 instituições setoriais, pedindo que o Brasil aumentasse sua ambição climática e abraçasse a economia verde. O documento influenciou positivamente os importantes compromissos assumidos pelo Brasil na conferência. Entre eles, assinamos os acordos de florestas e do metano, antecipamos a meta de alcançar a neutralidade climática de 2060 para 2050 e aumentamos a ambição do objetivo de médio prazo, que é reduzir 50% das emissões de gases de efeito estufa, não mais 43%, até 2030, em relação aos níveis de 2005.
Outro avanço relevante com grande participação do CEBDS diz respeito à regulamentação do mercado de carbono nacional, uma bandeira nossa desde 2016. O tema está tramitando no Legislativo e há expectativa de que uma lei seja aprovada em breve.
Temos, ainda, o Plano de Transformação Ecológica do governo federal, para o qual o CEBDS entregou uma série de contribuições antes mesmo do lançamento. O plano sinaliza internamente e também para o mundo que nossa trajetória econômica vai na direção de uma economia de baixo carbono, inclusiva e com valorização dos ativos ambientais.
Olhando o horizonte de transformação para a agenda 2030 e além, quais são as estratégias e iniciativas do CEBDS para promover o desenvolvimento sustentável no Brasil?
O CEBDS tem atuado em diversas frentes. Uma das nossas principais iniciativas no momento é a estratégia “De Dubai a Belém e Além”, fruto de uma parceria com o WBCSD (Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, na sigla em inglês) e com a We Mean Business Coalition. A ideia é mobilizar empresas no Brasil e mundialmente para colaborar e impulsionar diretamente a transição para a economia verde, sobretudo nessa janela de oportunidade importantíssima entre a COP de Dubai, que ocorreu no ano passado, e a de Belém, em 2025, pensando em deixar legados para os anos seguintes. Entre pontos a serem discutidos estão a transição para sistemas alimentares mais justos e como aumentar a escala de soluções baseadas na natureza.
Outra iniciativa recente do CEBDS envolve uma parceria com o Instituto Igarapé e a JGP para destravar fluxos financeiros para iniciativas sustentáveis que deixem um legado concreto do setor empresarial brasileiro na Amazônia até a COP30. O acordo visa estruturar mecanismos de finanças híbridas para viabilizar essas iniciativas.
Além disso, o CEBDS tem se engajado em estratégias de advocacy e colaborado na elaboração conjunta de subsídios para fundamentar políticas públicas relacionadas à agenda do desenvolvimento sustentável. Exemplos disso são as nossas contribuições para o Plano de Transformação Ecológica do governo federal, entregues ao Ministério da Fazenda antes do lançamento oficial do Plano, e nossa ativa participação na elaboração de uma proposta de mercado regulado de carbono nacional junto ao Legislativo e ao Executivo.
Na sua participação recente no evento “Alinhamento de Engajamento Político com a Neutralidade de Emissões”, você falou de iniciativas relevantes do CEBDS como o trabalho para a regulamentação do mercado de carbono no Brasil e as contribuições ao Plano de Transformação Ecológica do governo federal. Como você vê essas duas iniciativas hoje e quais são suas expectativas para o futuro?
O CEBDS colabora com a construção de um marco regulatório para o mercado de carbono no Brasil desde 2016, quando participamos do programa PMR Brasil (Partnership for Market Readiness), do Banco Mundial, sobre precificação das emissões de efeito estufa. Nesses oito anos, a discussão sobre a implementação de um mercado regulado de carbono no Brasil chegou a um ponto de maturidade, com projetos de lei sendo discutidos no Congresso e com esses projetos recebendo uma série de contribuições de entidades setoriais e empresariais, incluindo o CEBDS.
A regulamentação desse mercado pode gerar ao Brasil ganhos comerciais em um ambiente em que políticas climáticas cada vez mais impactam o comércio internacional, geram ganhos em negociações internacionais e acentuam o protagonismo que podemos ter na agenda de transição.
Já em relação ao Plano de Transformação Ecológica, contribuímos com a sua formulação e identificamos alinhamentos entre as propostas do Ministério da Fazenda e as ações há muito defendidas pelo CEBDS. Reunimos nossas recomendações em um documento, com elas distribuídas em seis eixos prioritários: finanças sustentáveis, bioeconomia, transição energética, adensamento tecnológico, economia circular e infraestrutura verde e saneamento.
O material foi construído a partir de conversas com o Ministério da Fazenda e do trabalho que já vem sendo desenvolvido pelo CEBDS, por meio do Conselho de Líderes, das Câmaras Temáticas e Grupos de Trabalho, envolvendo todas as nossas associadas. Na visão do CEBDS, o Plano de Transformação Ecológica reúne condições de mitigar riscos de instabilidade macroeconômica ao criar incentivos para a transição para uma economia neutra em carbono e com fortalecimento das cadeias produtivas capazes de valorizar economicamente as riquezas de nossos biomas.
No seminário “O Brasil Rumo à COP 30”, realizado em março pelo Valor Econômico, em parceria com a CCR, você falou sobre a importância de a sustentabilidade ser tratada como uma agenda de Estado, com uma visão de longo prazo, e a integração com o setor privado. Como podemos aproveitar melhor as oportunidades geradas pelo G20 e pela COP30?
O Brasil é um dos países mais bem posicionados do mundo para realizar a transição justa para uma economia net zero e com impacto positivo para a natureza até 2030.
Somos uma potência ambiental e temos vantagens comparativas que nos posicionam na frente dos demais países. O desafio é como transformá-las em vantagens competitivas. Um importante passo foi dado com a adoção do Plano de Transformação Ecológica, que sinaliza internamente e também para o mundo que nossa trajetória econômica vai na direção de uma economia de baixo carbono, inclusiva e com valorização dos ativos ambientais. No entanto, é preciso melhorar o ambiente de negócios para atrair o capital externo, já que os nossos recursos são muito mais limitados que os de outros países que também adotaram medidas verdes e destinaram recursos públicos significativos para esta mudança, como EUA e União Europeia.
Para atrair os recursos que precisamos e redirecionar nosso desenvolvimento, precisamos de previsibilidade, de incentivos e políticas públicas que apontem nesta direção. Temos uma NDC (nosso compromisso de redução de emissões) ambiciosa, podemos ser net zero antes do resto do mundo, e temos um plano em construção, mas precisamos acelerar este processo por meio de uma maior articulação com a sociedade e de uma estratégia clara da trajetória que faremos para cumprir o que anunciamos.
A estratégia para descarbonizar a economia brasileira passa também pelo firme combate ao desmatamento ilegal, por estratégias de regeneração de ecossistemas e pela redução das emissões de gases de efeito estufa na agropecuária. Também é mais do que necessário o olhar estar voltado para a transição energética.
O CEBDS trabalha para, até a COP 30, alcançar um novo patamar em relação ao engajamento de empresas e do governo nos compromissos climáticos já assumidos, de modo a mostrarmos, pelo exemplo, que é possível atingir os objetivos do Acordo de Paris. Estas ações, se colocadas em prática, farão com que o Brasil tenha uma posição de destaque na nova geopolítica. E temos todas as condições de chegar lá.
Como funciona a Plataforma Net Zero, que dá suporte às companhias na transição para uma economia de baixo carbono?
Desenvolvida em parceria com o WBCSD (Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, na sigla em inglês), a Plataforma Net Zero oferece uma orientação completa e gratuita para apoiar as companhias na transição para uma economia de baixo carbono. O Passo a Passo Net Zero, que é parte da Plataforma, inclui um autodiagnóstico de maturidade climática, orientação para etapas da descarbonização e até mesmo estimativa de custos para as iniciativas. A ferramenta foi desenvolvida em colaboração com mais de 40 empresas globais, a Universidade de Oxford e as consultorias BCG e McKinsey. Até 2030, esperamos que mais de 50 mil empresas usem a solução, abrangendo cerca de 30% das emissões globais.
Além deste espaço focado na capacitação e na implementação de ações por parte das empresas, a Plataforma Net Zero também disponibilizará ao público em geral o Hub de Políticas Climáticas. Trata-se de um espaço onde a equipe do CEBDS vai compartilhar as principais pautas do setor empresarial, atualizações e notícias a respeito da política climática no país.
Qual a sua visão sobre os resultados da primeira edição brasileira do Reporting Matters e o papel estratégico dos relatórios de sustentabilidade para as empresas?
O Reporting Matters mostra que muitas empresas já vêm publicando relatórios de qualidade, mas estão em busca de aperfeiçoamento para tangibilizar ainda mais as iniciativas realizadas.
91% delas adotam o padrão da Global Reporting Initiative (GRI), de forma isolada ou em conjunto com outras diretrizes. Por outro lado, uma parcela significativa das organizações não especifica o nível de aplicação e nem emprega nomenclatura adequada.
Alguns outros achados merecem destaque: embora 63% dos relatórios analisados tragam os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU prioritários da empresa, somente 10% definiram metas claras ligadas aos ODS. E, 28,57% dos relatórios analisados não apresentam nenhum tipo de compromisso formal em reduzir e neutralizar as emissões de gases de efeito estufa.
O relatório do Reporting Matters ajuda a entender os principais desafios que as grandes empresas enfrentam hoje, e permitirá que o CEBDS as apoie de forma ainda mais assertiva.
Os relatórios de sustentabilidade desempenham um papel fundamental para demonstrar o comprometimento das empresas junto à sociedade, atração de capital e investimentos. Eles ao longo do tempo se tornarão uma enorme medida de credibilidade das marcas e empresas, e terão uma forte correlação aos resultados gerais das empresas.
Estamos na era da implementação e já não basta apenas dizer que a empresa está comprometida com uma causa. É preciso demonstrar que realiza ações concretas e contribui com o desenvolvimento sustentável da sua comunidade e do planeta.
A elaboração de pesquisa de vanguarda é um dos pontos centrais da atuação do CEBDS. A DEEP mantém uma equipe de especialistas, mestres, doutores e cientistas dedicada à pesquisa e desenvolvimento em metodologias de mensuração de impacto. Como você acredita que a DEEP pode contribuir com o CEBDS numa ação de mais apoio ao CEBDS para lidar com as questões sobre a transformação para uma economia mais verde, limpa, inclusiva e atenta aos direitos humanos?
A transformação ecológica que buscamos no Brasil nos direciona para mudanças profundas, e por isso faz jus ao termo “transformação”: precisaremos de evolução em nossas indústrias, no setor financeiro, nas regulamentações e, também, na ciência. Neste contexto, equipes que estão trabalhando para avançar o conhecimento sobre métodos e impactos ligados à sustentabilidade, como a DEEP, serão essenciais.
Primeiro, pois é necessário um conhecimento aprofundado da realidade brasileira para o desenvolvimento e consolidação de padrões de sustentabilidade que se apliquem de forma adequada ao nosso país. Há diversas fronteiras de conhecimento em que precisaremos avançar, e para isso será necessária a atuação de pesquisadores locais. Em segundo lugar, o Brasil precisa seguir preparado para discutir em alto nível, no cenário internacional, metodologias emergentes que serão aplicadas a diversos países. A discussão sobre créditos de carbono ligados ao combate ao desmatamento ou à agricultura são bons exemplos disto.
Neste sentido, avançar o conhecimento brasileiro sobre métricas e impacto em sustentabilidade é um objetivo compartilhado entre o CEBDS e a DEEP.
Você representou o governo brasileiro em várias edições da COP, entre 1997 e 2001. Como foi essa experiência e como você avalia a velocidade dos avanços nas negociações, compromissos e ações efetivas?
Representar o Brasil como negociadora foi uma grande escola para mim. Nosso país reúne uma série de condições que o tornam um ator-chave para combater a crise climática e essa agenda pode alavancar o Brasil.
Como as COPs se tratam de chegar a consensos entre os 197 países participantes, é necessário um forte trabalho de articulação para formar alianças, realizar encontros e negociar os diferentes pontos que estejam na pauta da discussão. A busca por essa unanimidade para questões globais entre tantos atores, pensando em desfechos favoráveis para o seu país, é algo difícil e complexo.
À frente do CEBDS tenho podido exercitar tudo isso de forma muito mais ágil e prática. O fato de entender como as coisas funcionam no âmbito dos governos é algo que me ajuda nesse processo de buscar formas de atuação do setor empresarial em busca de soluções que possam fazer as negociações avançarem.
É o que estamos construindo com a estratégia “De Dubai a Belém e Além”: criar uma rede com outros parceiros, como o Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD, na sigla em inglês) e a We Mean Business, para que possamos influenciar esse processo entre as empresas, mas também fazendo uma articulação global e com o governo brasileiro.
Tudo aquilo que aprendi como negociadora hoje me serve de ferramenta, como o poder de articulação, e a busca pelo consenso. Ainda faço tudo isso, mas agora com o setor empresarial, que tem um grande poder de transformação e de ser um protagonista ao liderar essa agenda de transição para a economia verde.
É fundamental agir agora, pois estamos hoje em uma janela de oportunidade que é única e curta: o mundo tem até 2030 para se colocar definitivamente na rota de uma economia inclusiva com baixas emissões de carbono, sob risco de sofrermos ainda mais os impactos dos piores cenários da crise climática.