Entrevista exclusiva com Rogério Studart
Rogério Studart é um economista brasileiro com ampla experiência em finanças, desenvolvimento sustentável e relações internacionais. Ele é Senior Fellow do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) e tem atuado em diversos debates sobre macroeconomia, finanças internacionais e crescimento sustentável.
Studart possui doutorado em Economia pela Universidade College London e já ocupou cargos importantes em instituições multilaterais, como diretor executivo do Grupo Banco Mundial (incluindo IFC, IDA e MIGA) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (incluindo IIC e FOMIN). Ele também foi macroeconomista e especialista em finanças do desenvolvimento nas Nações Unidas (CEPAL e UNCTAD), no IBGE e no Banco Lar Brasileiro.
Como acadêmico, Studart é autor e coautor de vários livros sobre economia monetária e finanças, tendo publicado artigos em revistas especializadas. Ele também foi professor da Faculdade de Economia e do Instituto de Economia Industrial da UFRJ.
Veja a seguir a entrevista exclusiva concedida por Rogério Studart para o blog da DEEP:
Na semana que vem, o sr. participará do ‘Finance of Tomorrow’ no Rio de Janeiro. Quais são as suas expectativas para o evento?
Rogerio: Esse evento será uma oportunidade de reunir diversos atores do setor financeiro, reguladores e bancos centrais para discutir as mudanças aceleradas que estão ocorrendo no setor financeiro. Estamos presenciando o surgimento de novos atores, como as fintechs, e a utilização de plataformas digitais. O evento será uma chance de discutir essas e outras mudanças e acelerar os processos de transformação do setor hoje e no futuro.
O sr. falou em uma entrevista recente sobre “crise do financiamento climático”. Como define essa crise e quais são suas principais causas?
Rogerio: A crise no financiamento climático se refere à falta de recursos suficientes para enfrentar a crise ambiental e climática que estamos vivendo. Apesar de já termos alcançado a marca de trilhões de dólares alocados para projetos de transição energética e infraestrutura sustentável, esses recursos ainda estão mal distribuídos e concentrados em economias desenvolvidas.
Além disso, a quantidade de financiamento atual não é suficiente para fazer a diferença no enfrentamento da crise ambiental. Precisamos de um crescimento significativo nesse financiamento e de uma distribuição mais equitativa dos recursos.
O problema é que, quanto menos você investe, mais você necessita. Governos ainda investem pouco em resiliência climática. Resultado: quando há uma enchente, como aconteceu no Rio Grande do Sul, a questão fiscal e o endividamento explodem. É uma questão quase de responsabilidade fiscal.
Qual o papel do setor privado na solução da crise de financiamento climático? E como incentivá-lo?
Rogério Studart: O setor privado desempenha um papel crucial pois possui os recursos e a capacidade de inovação necessários para enfrentar os desafios climáticos. Para incentivá-lo, é importante criar um ambiente regulatório que ofereça incentivos fiscais e financeiros para investimentos sustentáveis. Além disso, a transparência e a divulgação de informações sobre sustentabilidade são essenciais para atrair investidores privados e garantir que seus investimentos tenham um impacto positivo. É preciso inserir definitivamente o risco climático na tomada de decisão do setor financeiro. E também criar soluções inovadoras como as da DEEP para o fornecimento de informações confiáveis e comparáveis sobre impactos. Sem mensuração e confiabilidade, nada vai funcionar.
Mitigação, adaptação e resiliência: como o sr. vê o equilíbrio dos investimentos nessas três áreas?
Rogerio: Historicamente, houve por muito tempo uma maior ênfase na mitigação; mas, atualmente, estamos percebendo uma maior atenção para a adaptação e resiliência. Isso ocorre porque a inação em relação às mudanças climáticas tem gerado impactos cada vez mais graves e visíveis, afetando não apenas a sociedade, mas também os negócios, os governos e o setor financeiro.
O custo da inação é alto e recai sobre todos os setores. No setor público, gera déficit fiscal. No privado, os negócios e as pessoas são diretamente afetadas – as empresas perdem capacidade de produzir e comercializar seus produtos e os profissionais perdem seus empregos.
Já no setor financeiro, vemos as seguradoras e resseguradoras muito impactadas pelos eventos climáticos extremos. Além delas, outras áreas financeiras também serão afetadas, como a de crédito, por exemplo, que enfrentará dificuldades com a incapacidade de pagamento das dívidas por parte das pessoas em regiões afetadas pelas emergências climáticas.
Enfim, essa conta vai chegar para todos! Por isso, é fundamental garantir que haja investimentos adequados em cada setor para minimizar os impactos.
E o papel dos bancos multilaterais de desenvolvimento nesse contexto?
Rogerio: Os bancos multilaterais de desenvolvimento desempenham um papel importante, mas é preciso reconhecer que foram criados para outras épocas e emergências. Eles tiveram um papel fundamental no pós-guerra e na reconstrução das economias aliadas. No entanto, as questões do desenvolvimento e da estabilidade econômica mundial se tornaram muito mais complexas nas últimas duas décadas, e essas instituições não acompanharam essas mudanças. Por exemplo, o Banco Mundial até pouco tempo atrás não financiava infraestrutura, um tema básico para o desenvolvimento econômico. O Fundo Monetário Internacional (FMI) também se adaptou de forma marginal às novas emergências, como a mudança climática. Hoje, está discutindo estabilidade monetária e financeira dentro de uma ótica de mudança climática, o que é um avanço significativo.
O que podemos aprender com o financiamento climático em outros países? Quais são os desafios e oportunidades para o Brasil?
Rogerio: Há muitas lições a serem aprendidas com outros países em relação ao financiamento climático. O Brasil já está avançando em termos de regulação e preparação das empresas, mas ainda há desafios em relação ao desenvolvimento de projetos e à agregação de investimentos. É necessário criar um ambiente propício para o desenvolvimento de projetos, com clareza para quem financia e quem investe. Além disso, é preciso superar os obstáculos relacionados ao custo de capital elevado e à dependência do setor público. O Brasil tem um potencial enorme, mas é necessário aproveitar as oportunidades e superar esses desafios.
Quais inovações financeiras o senhor considera mais promissoras para aumentar o fluxo de recursos para ações climáticas?
Rogério Studart: Algumas das inovações mais promissoras incluem os green bonds, que são títulos destinados a financiar projetos sustentáveis, e os sustainability-linked loans, que oferecem condições de empréstimo mais favoráveis para empresas que atingem metas de sustentabilidade. Além disso, as tecnologias de blockchain e criptomoedas têm o potencial de aumentar a transparência e a eficiência no financiamento climático. Parcerias público-privadas também são essenciais para mobilizar recursos em larga escala e incentivar investimentos em projetos sustentáveis.
Como o Brasil pode se posicionar para atrair mais investimentos internacionais em projetos sustentáveis?
Rogério Studart: Primeiro, é necessário criar um ambiente regulatório favorável que ofereça segurança jurídica e incentivos para investidores. Segundo, o país deve investir em infraestrutura sustentável e promover a inovação tecnológica. Além disso, a cooperação internacional e a participação ativa em fóruns globais, como o G20, são essenciais para atrair investimentos. Por fim, o Brasil deve destacar suas vantagens comparativas, como a vasta biodiversidade e o potencial para energias renováveis, para atrair investidores interessados em projetos sustentáveis.
Como alinhar melhor o financiamento climático com os objetivos mais amplos de desenvolvimento sustentável?
Rogério Studart: Para buscar este alinhamento é importante adotar uma abordagem que considere não apenas a redução de emissões, mas também a promoção do desenvolvimento econômico, a redução da pobreza e a criação de empregos. Isso pode ser feito através da integração das políticas climáticas com as estratégias de desenvolvimento econômico e social, garantindo que os investimentos em sustentabilidade também contribuam para o bem-estar das comunidades. A cooperação internacional e a coordenação entre as diversas instituições multilaterais também são essenciais para garantir que os recursos sejam utilizados de forma eficiente e equitativa.
Em síntese…
Rogério Studart: O Brasil tem uma janela de oportunidade muito grande. Se realmente avançar a ideia de uma transição ecológica forte, o Brasil dispara. Mas isso só vai acontecer se estivermos prontos para aproveitar as janelas de oportunidade e já tivermos avançado em algumas áreas importantes para pavimentar esse caminho.